“Eu sou feliz sendo prostituta.” Com esse slogan singularíssimo, o Ministério da Saúde cometeu uma de suas gafes mais destrambelhadas. A frase alegre ilustrou um cartaz que foi ao ar pelo site do ministério, com a intenção oficial de estimular o uso de preservativos nas relações sexuais das garotas de programa – uma campanha saudável, por certo, mas um tanto sem pé nem cabeça. O que a camisinha tem a ver com a felicidade da profissional do sexo? Será que enaltecer a autoestima das meretrizes aumenta o índice de sexo seguro? Por fim, é legítimo empregar o dinheiro público para difundir a tese de que a prostituição traz a felicidade?
Não sem motivo, “Época” qualificou de “propaganda enganosa” a investida publicitária do Ministério da Saúde. Quanto ao titular da Pasta, Alexandre Padilha, agiu rápido. Antes mesmo das reações mais negativas, mandou tirar o cartaz do site. Houve demissões, punições, resmungos e, como sempre, o mal-estar se dissipou rapidamente, como as nuvens no céu de inverno. A saúde pública no Brasil segue onde sempre esteve, bem longe da zona do meretrício – para o bem e para o mal. E as perguntas mais graves que o episódio poderia suscitar não foram feitas.
Tratemos de fazê-las. Por que, no Brasil, o Estado acredita que pode ditar o modo de vida dos cidadãos – ou, mais especificamente, das cidadãs? Quem é a administração pública para apregoar ou incensar a alegria interior de garotas de programa – ou de padres, de sargentos, de punks ou de quem quer que seja? Quem é o Estado para prestar serviços de aconselhamento sentimental sobre os caminhos e descaminhos da realização pessoal de cada um?
As respostas não são indolores. Para começar, temos de admitir o seguinte: diante dos excessos permissivos da publicidade oficial no Brasil, falar bem de prostitutas é o de menos. Ou, no mínimo, deveria ser o de menos. A propaganda de governo é um jorro incessante de fortunas, inundando com bilhões de reais o mercado publicitário brasileiro. O objetivo é sempre o mesmo: promover o sorriso fácil dos governantes. O mandamento que essa publicidade maciça vem ensinar é um só: amar o governo acima de todas as coisas. A máquina de propaganda pública tenta provar que são excelentes hospitais degradantes; tenta nos convencer de que aquelas escolas imundas, que humilham as crianças, têm padrão de “primeiro mundo”; e que governam com seriedade aqueles tipos que, no ano seguinte, são condenados por corrupção.
Diante disso, francamente, qual o problema de falar bem das prostitutas? A publicidade oficial não se cansa de idolatrar gente tão pior, tão mais desonesta do que elas, que nós deveríamos até aplaudir o cartaz do Ministério da Saúde. Se dizemos amém para o gasto do Erário na promoção de autoridades que praticam crimes de responsabilidade, por que nos escandalizamos tanto quando um site estatal fala bem de quem aluga o corpo para deleite do freguês?
“Eu sou feliz sendo político.” Assim poderiam vir assinadas todas as peças de propaganda de governo – e nenhum de nós iria lá protestar, com pruridos de guardião dos bons costumes.
Do cartaz infeliz do Ministério da Saúde, pode-se dizer que ele entrou no ar pelos motivos errados e saiu do ar por motivos mais errados ainda. Entrou no ar porque alguém no ministério pensou em fazer uma média com a nascente organização sindical das prostitutas – organização que precisa de respeito, não de afagos eleitoreiros. E saiu do ar porque as autoridades cederam a argumentos moralistas, como se toda prostituta fosse necessariamente uma infeliz, uma derrotada.
É claro que as prostitutas também têm direito à felicidade. Algumas até a encontram. Se o nexo entre felicidade e prostituição não é obrigatório, também não é impossível. O cartaz infeliz nunca deveria ter se transformado em peça oficial do ministério, não por motivos demagógicos ou moralistas, mas por um imperativo de ordem democrática: não é papel do Estado dar selo de aprovação ou de reprovação a nenhum modo de vida. Se as cidadãs são virgens ou devassas profissionais, isso não é da conta do governo.
Mas esse argumento jamais será aceito pela escola da multibilionária propaganda governamental. Ela acredita que pode e deve induzir na sociedade comportamentos ideológicos, partidários, fiscais e até mesmo sexuais. O cartaz da prostituta exultante é só mais um caso, só mais um entre milhares de outros. Dentro da história imoral da propaganda de governo no Brasil, a parte mais limpa são as meretrizes. Felizes ou infelizes.
Fonte: revista “Época”
Acabo de inventar um novo ditado: “Antes uma prostituta feliz do que um político ladrão”
Que artigo dúbio – vitimado pelo politicamente correto ele se enrolou todo. NAO EXISTE MULHER QUE QUEIRA EM SA CONSCIENCIA E COM A AUTO ESTIMA EN DIA VENDER O CORPO.
Excelente artigo! também considero insuportável a ingerência do Estado em nossas vidas particulares.