Se a economia continuar a crescer pouco, o desemprego começará a aumentar. Por isso, é fundamental entender o que deu errado em 2012. A economista carioca Monica de Bolle está numa boa posição para fazer essa análise. Desde 2010, ela participa da diretoria do Instituto de Estudos de Política Econômica (Iepe). O instituto, sediado no Rio de Janeiro, é mais conhecido como Casa das Garças e promove regularmente debates na área. Um de seus trabalhos recentes foi organizar uma coletânea de artigos sobre o futuro da indústria no Brasil, a ser lançada em 2013. Monica é Ph.D. pela London Business School. Aos 40 anos, divide a coordenação do Iepe com colegas como Edmar Bacha, um dos pais do Plano Real. Ela considera que o país viveu uma fase de otimismo excessivo até 2010 e que isso contribui para a paralisia de agora. A reação em 2013, na visão dela, dependerá do ânimo dos empresários e de uma ação mais coerente do governo federal, concentrada em algumas poucas e boas frentes – entre elas, a redução de impostos. Do contrário, continuará havendo incerteza nos negócios. “O governo age de maneira desenfreada e desconjuntada. Tenta extrair a fórceps uma melhora da atividade, em vez de se ver como um facilitador das decisões do setor privado”, diz.
Época – Há muitos motivos para o Brasil crescer pouco. Em quais deles deveríamos prestar mais atenção neste momento?
Monica de Bolle – Um fio narrativo une as diferentes histórias que tentam explicar o crescimento baixo. Até dois anos atrás, houve uma falsa percepção de que o país rumava para um nível de crescimento médio muito mais alto. Passamos por um período longo (cinco anos, de 2004 a 2008)em que a economia cresceu bem, acima da média de 4% ao ano. Depois, saímos rapidamente da crise. Em 2010, tivemos crescimento espetacular, de 7,5%. Tudo isso gerou a sensação – e a falsa impressão – de que o Brasil se tornara, se não um tigre asiático, ao menos um jaguar latino-americano. Houve a impressão de que o país estava muito melhor. Em 2011, isso foi completamente desmistificado pelo eterno termômetro de nossos problemas e de nossos erros: a inflação. Ela acelerou brutalmente do fim de 2010 até setembro de 2011. Aquela avaliação equivocada lá atrás criou outro problema. Ela levou as empresas em geral e a indústria, em particular, a planejar vendas para o futuro muito além do que o mercado brasileiro seria capaz de comprar. Por isso, as empresas fizeram muito estoque. Elas não venderam o que previam e, em 2012, reduziram o ritmo de produção para desovar os estoques.
Época – Isso seria um problema simples e passageiro.
Monica – Só que o ajuste dos estoques está se alongando. O ajuste precisa acontecer, e a interferência do governo o torna mais demorado. O caso da redução do IPI explica bem o problema (desde 2008, o governo faz cortes temporários no Imposto sobre Produtos Industrializados para baratear itens como carros, eletrodomésticos e móveis). Quando o governo anuncia um corte temporário de IPI, o cidadão gosta, antecipa o consumo, e os estoques caem. O fato de a redução ser temporária, mas prorrogada várias vezes, contribui para os estoques oscilarem loucamente. Isso é bom para o consumidor, mas terrível para o planejamento das empresas. O empresário não consegue projetar quanto deve vender no futuro. Além disso, temos a terceira parte da história, o enigma: por que o investimento em infraestrutura e máquinas industriais está caindo?
Época – Quais são as principais explicações?
Monica – Há quem argumente com o custo Brasil, o ambiente de negócios ruim. E há dúvidas sobre a condução da política econômica. Qual é a política de controle da inflação agora? E o regime cambial? Ouvimos declarações da (presidente da República)Dilma (Rousseff) e do (ministro da Fazenda, Guido) Mantega, semanas atrás, de que o real deveria estar mais desvalorizado. As declarações foram desmentidas pelo Banco Central. Ele afirma que o real deveria estar um pouco mais valorizado. Outras explicações apontam para o intervencionismo do governo, a ingerência nas companhias estatais, como a Petrobras e a Eletrobras. Há um ativismo desenfreado e meio desconjuntado do governo. No fim de novembro, tivemos anúncios em série de medidas sem nada a ver umas com as outras. Outra vertente ainda diz que o potencial de crescimento do consumo se esgotou. Discordo. O consumo continua crescendo, apenas num ritmo mais lento. Mas é evidente que, sozinho, não sustenta o crescimento. Precisamos que o investimento produtivo cresça.
ÉPOCA – Quanto nos atrapalha a incerteza econômica na Europa e nos Estados Unidos?
Monica – O cenário global tem um papel no crescimento fraco do Brasil, mas não basta como explicação. Quando comparamos o desempenho com o de outros países, vemos que o Brasil está pior. Aqui, a desaceleração foi muito forte. Então, grande parte disso é obra de nossa autoria mesmo.
Época – Quanto o país pode crescer, nas condições atuais?
Monica – Com tudo o que o governo faz, a economia brasileira não parece ter, no momento, capacidade de crescer muito mais que 3,5% ao ano. Considero esse o crescimento do PIB potencial do Brasil. A evidência é que nossa inflação não cede. Vemos agora uma retomada da inflação, não só em alimentos. Ela é disseminada. Esse termômetro mostra que não temos capacidade de crescer nem 4%. Mas o governo tem uma expectativa diferente em relação a esse potencial da economia. Ele atua para tentar extrair a fórceps uma melhora da atividade. O governo se vê como um indutor de crescimento, na base da força bruta, em vez de um facilitador das decisões do setor privado.
Época – Fatores novos na economia, como os juros num nível mais baixo, ainda farão efeito?
Monica – Os juros terão um efeito gradual e prolongado. Ainda não sabemos medir qual será, porque nunca fizemos esse experimento antes. Na transição, pode haver algum ruído, porque isso muda muita coisa para os bancos. Eles tinham uma perspectiva de lucratividade que mudou completamente. Os bancos privados acabam se retraindo um pouco na concessão de crédito, durante essa transição. No longo prazo, os efeitos devem ser positivos.
Época– E outras medidas tomadas pelo governo, como o plano para reduzir as tarifas de energia e os cortes de impostos para determinados setores?
Monica – O barateamento da energia é uma intenção muito boa. O problema é a execução. Criou-se incerteza. A Eletrobras e as empresas do setor terão recursos para investir? E a necessidade de usar recursos do Tesouro para compensar essas empresas? Se o governo usará o Tesouro para cortar a tarifa, até quando isso cabe na conta? Os cortes de impostos sobre a folha de pagamentos são recentes, e os benefícios não foram totalmente absorvidos. Mas a medida vai na direção correta: diminuir a carga de tributos. O que tem sido ruim é o governo fazer aos poucos. Houve construtoras meio mal das pernas que desaceleraram as atividades para esperar esses cortes. Um pedaço da economia fica parado, esperando. O governo tem medo do impacto que a queda de arrecadação terá nas contas públicas. Mas tem de assumir que haverá impacto mesmo. Será menor a economia que o governo consegue fazer para pagar juros e manter a dívida sob controle. Mas o governo já criou esse espaço para conter a dívida, com a queda dos juros. Os economistas eternamente críticos do governo acharão ruim. Acho bom reduzir esse saldo das contas do governo, se isso resultar de diminuição da carga de impostos. O governo tem de perder a timidez e dizer que o caminho é esse, cortar a carga de tributos.
Época – O investimento produtivo está em queda, mas o desemprego está em baixa e o consumo vai bem. Por quanto tempo o Brasil pode se manter assim?
Monica – O setor de serviços vai bem, mas, sem crescer, acho que não manteremos o desemprego baixo por mais muito tempo. Quando a taxa começará a subir? Ninguém sabe. Mas, se o crescimento em 2013 não for de 4%, como quer o governo, nem de 3,5% como muita gente prevê, é provável que comecemos a sentir o aumento do desemprego.
Fonte: “Época”, 24/12/2012
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