Eis uma boa notícia: a pobreza na América Latina é uma questão bem encaminhada. Não resolvida, claro, porque há milhões de pobres pela região. Mas, em praticamente todos os países, essas pessoas são atendidas por algum programa de “transferência de renda com condicionalidade”, designação técnica de políticas tipo Bolsa Família. Isso leva o problema para um segundo nível: o que fazer para que essas pessoas deixem de ser pobres e dispensem o dinheiro do governo?
Este foi um dos temas tratados durante debates no III Fórum Econômico Internacional da América Latina e Caribe, promovido nesta semana, em Paris, pela OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico, instituição de estudos e pesquisas que reúne os países mais desenvolvidos no mundo). O assunto central do evento foi a emergência do que chamamos no Brasil das “novas classes médias” — os “setores médios”, no jargão do documento lançado recentemente pela OCDE, que surgem em toda a região. Mas tudo passa pelo tema da pobreza, pois uma característica desse novo ambiente é a vulnerabilidade das novas classes médias, ou seja, a possibilidade sempre presente de que seus integrantes voltem a cair na faixa mais pobre.
Hoje, portanto, a questão — como criar condições de apoio à nova classe média? — equivale à pergunta “como eliminar a pobreza estrutural?”
De todo modo, convém registrar o avanço, conforme observação do diretor do Centro de Desenvolvimento da OCDE, Mario Pezzini. Há dez anos, na virada do século, apenas três países da AL tinham programas de transferência de renda: México, pioneiro, Honduras e Brasil. Hoje estão por toda parte e, mais importante ainda, em geral funcionando bem.
O Bolsa Família é o maior deles. São 12 milhões de famílias atendidas, entre 50 e 60 milhões de pessoas, cerca de 30% da população brasileira. Pode-se dizer, por aí, que o problema da pobreza extrema está resolvido? Sim, se isso quer dizer que essas pessoas recebem renda mensal e regular suficiente para a manutenção básica. Mas não se a meta é criar condições para que essas pessoas deixem de ser pobres e vivam por sua própria conta, quer dizer, com seu trabalho ou seus empreendimentos. Ou, dito de outro modo: quais são os fatores que sustentam uma classe média?
O tema é brasileiro, sem dúvida, e poderia ser assim resumido por aqui: o que fazer depois do Bolsa Família? Mas é também uma questão de toda a América Latina, cujos países passam pela mesma situação econômica e social, descontado, é claro, o tamanho.
Aliás, é interessante participar desses encontros latino-americanos para se verificar como nos parecemos. Entre os países mais relevantes, todos passaram bem pela crise, recuperaram-se fortemente e estão crescendo. Todos se beneficiam da “onda chinesa”, ou seja, o apetite da China por alimentos, minérios e petróleo. Todos praticaram e praticam as tais políticas econômicas responsáveis (controle das contas públicas, inflação controlada em nível baixo, com Banco Central autônomo, sistema bancário saudável).
Ouve-se o presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, que abriu o Fórum, de Paris, e estamos em casa. Até no petróleo, que eles também acharam em reservas ricas.
Idem para os planos de longo prazo. Santos relatou projetos para medir e avaliar a biodiversidade da floresta amazônica (aliás, contou que uma empresa da Califórnia havia mostrado a ele uma novíssima tecnologia para isso). E falou dos programas de biodiversidade e energia verde.
Mas também estamos em casa quando se trata da questão: o que falta para a AL dar o salto definitivo para a prosperidade? Ou, na palavra de Santos, como podemos realizar “a década ou, quem sabe, o século da AL?”
Três deficiências são comuns: educação pública muito ruim, sistema público de saúde precário ou de má qualidade e muitos empregos informais. É justamente a combinação perversa desses três fatores que torna precária a vida das classes médias.
De um lado, a falta de bons serviços públicos encarece a vida atual, pois, assim que ganham mais renda e mudam de faixa, as famílias médias passam a pagar planos de saúde privados e tratam de colocar as crianças em escolas particulares. De outro, em momentos econômicos ruins, e devido aos empregos informais, perdem essa capacidade de pagamento e voltam ao sistema público, situação que consideram como de volta à pobreza.
Está aí, portanto, a agenda brasileira e latino-americana. Mas, na busca de soluções, o Brasil aparece numa posição única — e que não é boa. Na maior parte dos países da região, acredita-se que será necessário aumentar a arrecadação de impostos para que os governos tenham mais recursos para educação e saúde.
Faz sentido para os outros. Tirante o Brasil, a carga tributária média na região é de apenas 25% do PIB, uns doze pontos abaixo da nossa. Nisso, os outros poderiam aprender com o Brasil, pelo reverso: como não arrecadar muito
e gastar muito e mal.
Fonte: O Globo, 27/01/2011
Interessante. A única forma de, realmente, tornar um indivíduo independente, sem necessitar da tal bolsa família, seria ele receber uma educação de qualidade.
Todavia, a educação no Brasil é um lixo, perde até para países que nem sabemos soletrar o nome.
Falta de recursos, talvez ? Mas é mais provável que seja falta de competência para investir com eficácia na área.
Outra coisa, seria de interesse dos políticos demagogos que a maioria da população tivesse conhecimento suficiente para avaliar criticamente a atuação deles (dos políticos) ?
Vide o último presidente da república, nunca pensou no longo prazo nem por um segundo, só estava preocupado com assuntos eleitoreiros. Aliás, a grande maioria dos chefes do executivo foram assim.
Um país de gente mesquinha e imediatista.