Nas últimas semanas, repercutiu na imprensa brasileira um relatório da OIT (Organização Internacional do Trabalho) sobre a situação do emprego doméstico ao redor do mundo*.
O dado que mais chamou a atenção foi que o Brasil era o país no mundo com o maior número de trabalhadores domésticos. Segundo os dados da pesquisa tínhamos, em 2009, 7,2 milhões de trabalhadores domésticos, a grande maioria deles, 93%, de mulheres.
Minha primeira reação foi de ceticismo. Imaginei: não é possível que o Brasil tenha mais empregos domésticos do que a Índia. A população da Índia é cinco vezes maior do que a brasileira. No entanto a informação está correta.
Entre os países em que há informação, um total de 136 -nos quais, infelizmente não consta a China, mas inclui a Índia-, somos o que apresenta o maior número de empregos domésticos.
Meu candidato a campeão, a Índia, tinha, em 2005, ano mais recente em que a informação está disponível para o país, 4,2 milhões de empregos domésticos, bem menos do que os 7,2 milhões do Brasil.
Uma questão que chamou menos a atenção da imprensa foi o emprego doméstico como proporção do total. O Brasil é uma das maiores populações do mundo -estamos em quinto, atrás somente da China, da Índia, dos Estados Unidos e da Indonésia.
Assim, em boa medida, nosso título de campeão mundial em empregos domésticos deve-se à enorme escala de nossa sociedade: 200 milhões de pessoas é muita gente.
Assim é mais interessante olhar o total de empregos domésticos como proporção da população empregada total. Nessa métrica, somos o 13º entre os 136 países que estão no relatório da OIT.
Começamos a ficar um pouco mais normais. Somos desiguais, temos nossos 350 anos de escravidão, mas também não somos tão anormais assim. Há outras 12 sociedades entre as 136 investigadas pela OIT que apresentam proporcionalmente mais empregos domésticos do que nós.
Os 12 países com mais empregos domésticos do que o Brasil são, em ordem decrescente: Kuait (21,9%), Djibuti (16%), Brunei (13%), Bahrein (12,8%), Emirados Árabes (12,8%), Namíbia (10,9%), Arábia Saudita (9,6%), Omã (9,2%), ilhas Cayman (9,1%), África do Sul (8,7%), Uruguai (8,6%) e Argentina (7,9%).
Em seguida ao Brasil (7,8%) completam o grupo dos 20 países com o maior número de empregos domésticos como proporção da população empregada Hong Kong (7,7%), Costa Rica (7,1%), Chile (6,8%), Paraguai (6,7%), Qatar (6,4%), Belize (5,9%) e Panamá (5,8%).
O que há de comum a esses países é, por um lado, produto per capita relativamente elevado, e, por outro, forte desigualdade de renda.
Parece, portanto, que a prevalência de empregos domésticos na população empregada depende da associação de renda per capita e desigualdade elevadas.
Há alguns casos que chamam a atenção. O México apresenta somente 4,2% da população empregada em trabalhos domésticos. Provavelmente a oportunidade que os trabalhadores mais desqualificados mexicanos têm de imigrar para os Estados Unidos explica a menor proporção de trabalhadores domésticos no México relativamente a outras sociedades latino-americanas com estrutura -renda per capita e desigualdade- próximas.
Outro caso interessante é a Costa Rica. A tradição de ser um país muito igualitário não impediu que 7,1% dos postos de trabalho fossem de empregos domésticos. Provavelmente a maior parte desse contingente de trabalhadores domésticos é nascida em países vizinhos da América Central.
A conclusão é que não somos tão fora da normalidade quanto a frase “temos o maior contingente de empregados domésticos do mundo” sugere, mas de fato participamos de um grupo cujos membros são outros países da América Latina, alguns países africanos mais ricos e países produtores de petróleo.
A continuidade do lento, mas sistemático processo civilizatório nacional mudará essa realidade. Teremos que esperar, no entanto, algumas décadas.
Fonte: Folha de S. Paulo, 27/01/2013
Boa tarde,
Pelo mostruário comparativo da geografia do artigo em apreço, verifica-se aqui, um fundo histórico apresentando uma sociedade estigmatizada.
Diferentemente do especialista, não acredito que essa realidade mude, nesses países, em tempo nenhum.
Não muda porque foram países que trouxeram em sua formação cultural esse estígma colonial, ou seja, toda herança que tem, são advindas das forças colonialista desenvolvendo uma mentalidade imprimida em traços fortíssimos.
É fato que uma mentalidade muda, mas requereria, ações que estão longe do interesse de nossa política aqui.