O americano Jack Dorsey é um sujeito contido. Mantem a voz sempre no mesmo tom e ritmo. É econômico nas expressões faciais. Quase não gesticula. Em nada lembra o estilo pessoal de Steve Jobs, o fundador da Apple, de quem era amigo e com quem é frequentemente comparado. Mas Dorsey vem construindo uma reputação tão respeitada quanto à de Jobs. Aos 37 anos, ele criou dois negócios de muito sucesso e acumulou uma fortuna estimada em US$ 1,1 bilhão. Há sete anos, lançou a rede de microblogs Twitter, que tem 200 milhões de membros e mudou a forma como nos comunicamos com suas mensagens de 140 caracteres. Foi o executivo-chefe da empresa até 2008, quando se afastou do seu dia a dia. Há dois anos, voltou. Hoje é presidente do conselho e dedica a maior parte do seu tempo a outra companhia, o Square, que oferece um sistema de pagamento por celular e movimenta US$ 12 bilhões por ano. Dorsey virou uma constante nas listas dos empresários mais inovadores do mundo. “O importante é não deixar a ideia na cabeça”, diz. Ele afirma não prestar muita atenção aos elogios ou ao dinheiro. Não quer se distrair do propósito de suas empresas. “Não mudei. Ainda vou de ônibus para o trabalho”, afirma. Dorsey está no Brasil pela primeira vez. Veio conhecer o segundo maior mercado do Twitter no mundo (são 40 milhões de usuários, só atrás dos Estados Unidos), onde a empresa acaba de abrir um escritório. Também quis ver de perto o país que sediará a Copa do Mundo e as próximas Olimpíadas, eventos em que a rede social costuma bater recordes de popularidade. Na sede do Twitter, em São Paulo, Dorsey falou a ÉPOCA:
ÉPOCA: Qual foi o momento mais crítico do Twitter?
Jack Dorsey: Houve muitos. O começo, a ida para outros países, criar um modelo de negócio. Por isso é ótimo criar uma startup. Na maior parte do tempo, você vive dia a dia e em algum momento estabiliza, acha um balanço. Hoje há uma enormidade de mensagens publicadas no Twitter ao redor do mundo com pessoas compartilhando o tempo todo o que está acontecendo. Agora precisamos manter nossa relevância, garantir que entregamos o conteúdo para quem interessa imediatamente. Fazer isso é difícil em uma rede em tempo real.
ÉPOCA: Porque o senhor deixou a empresa?
Dorsey: Nunca sai completamente. Troquei de papel com outro cofundador. Evan Williams virou CEO e eu, presidente do conselho. Nesse meio tempo criei o Square e voltei quando me pediram.
ÉPOCA: A empresa estava com problemas?
Dorsey: Não. É bom ter mais gente que conhece como tudo começou. Também era preciso tornar o Twitter mais simples, rápido e fácil de usar. Podia ajudar com isso.
ÉPOCA: Então ninguém o forçou a sair como foi noticiado?
Dorsey: Bom…[Risos]. É complicado. Trocamos de papéis.
ÉPOCA: Recentemente o Twitter lançou o aplicativo Vine. Porque fazer uma rede social de vídeo?
Dorsey: O Vine era uma empresa pequena. Quando seus fundadores vieram me visitar, soube na hora que tínhamos que comprá-la porque era o mesmo que nós, em alguns pontos até melhor, só que em vídeo. Como o Instagram com fotos. Mas no Vine não apenas se vê o oceano, você o ouve.
ÉPOCA: O Vine tinha algumas falhas e alguns o consideraram inacabado. Era a intenção lança-lo antes de estar pronto?
Dorsey: Estava pronto. Sempre dirão que algo é inacabado porque não tem uma função específica. O que não é inacabado? Essa é uma péssima atitude. Se as pessoas não podem usar, você não sabe o que elas gostaram. Tem que começar em alguma hora senão nunca lança um produto. O importante é melhorar rápido.
ÉPOCA: Qual o maior erro que um empreendedor pode cometer?
Dorsey: Não colocar sua ideia em prática. É fácil criar desculpar para não começar algo. Tem que uma ideia ao menos num papel para você mesmo pensar sobre ela. Muita gente mantém tudo na cabeça e nunca age.
ÉPOCA: E qual foi o seu maior erro?
Dorsey: Não ter contratado funcionários rápido o suficiente e demorado para demitir. A maioria das startups contrata rápido e demite devagar. É como num relacionamento. Encontrar boas pessoas e romper com outras não é fácil. Eventualmente você aprende.
ÉPOCA: O senhor hoje é investidor de algumas empresas. Como é estar no outro lado?
Dorsey: Não sou investidor. Só fiz quatro pequenos investimentos e foi por causa das pessoas que queria apoiar. Isso não me faz feliz. Fico feliz por meus amigos fazerem sucesso. Mas nunca seria o meu trabalho. Um investidor precisa estar sempre disponível e tenho pouco tempo por causa do Twitter e do Square. Parei depois do Instagram. Provavelmente não farei novos investimentos.
ÉPOCA: Como é gerenciar duas companhias ao mesmo tempo?
Dorsey: Por um ano fui ao Twitter todos os dias e dividi meu tempo entre as empresas. Queria garantir que estávamos no caminho certo e contratando boas pessoas. Agora sou vou lá às terças-feiras. Hoje só gerencio o Square, que está se internacionalizando e isso dá muito trabalho.
ÉPOCA: O senhor diz que quer trazer o social de volta ao comércio. Como assim?
Dorsey: O comércio está quebrado. Ficou muito difícil. Para os negócios pequenos, era caro ou complicado aceitar cartões. Oferecemos a eles uma forma de aceitar cartões. Ontem almocei no Rio e demorou dez minutos para conseguirmos pagar a conta. Poderia ter gastado esse tempo com algo mais importante. Com o Square, você faz o seu pedido, recebe e vai embora. Nem precisa tirar o celular do bolso. Só usa o seu nome para pagar. É assim que o comércio era e deveria voltar a ser. Pra isso a tecnologia tem que desaparecer.
ÉPOCA: O Square vem para o Brasil?
Dorsey: Estamos estudando quais serão nossos próximos mercados e olhamos muito para o Brasil. Aqui há muitos comerciantes pequenos e muitas ineficiências também. Veja o tempo que levei para pagar uma conta. Isso também acontece na Europa. Mas como o Twitter você lança e está disponível ao redor do mundo. Mas com o Square não podemos fazer isso. Precisamos criar relações com os bancos, entender a lei local, verificar a identidade dos clientes. Isso gera muitos custos.
ÉPOCA: Porque está demorando tanto para o pagamento móvel se popularizar?
Dorsey: A indústria financeira está confortável. Não tem muitos incentivos para mudar. É grande e complicada. Muita gente nela é paga para dizer não para coisas novas. Além disso, os outros meios de pagamento que existem não são ótimos. Aproximar um telefone da máquina não é necessariamente mais rápido que usar um cartão. Tudo que é novo precisa ter um valor significativo para as pessoas mudarem seu comportamento.
ÉPOCA: Mudar a forma como vendemos e compramos é uma meta ambiciosa.
Dorsey: Como tudo grande que se faz no mundo, você tornar isso tangível, imaginar o que se quer e construir em etapas. Quebrar um objetivo em pequenas partes e ter a disciplina para executá-las.
ÉPOCA: O senhor diz que não quer criar uma disrupção, mas uma revolução. Pode explicar?
Dorsey: Uso muito o dicionário. O significado das palavras e como as usamos é muito importante. Há três termos que normalmente definem o Vale do Silício com os quais não concordo. O primeiro é empreendedor, a pessoa que abre uma empresa. Para mim, empreendedor é estar disposto a assumir riscos. Dá para ter essa atitude em um governo ou uma empresa. Também se fala demais em fundadores. É um engano porque a fundação é só o começo. Se ficarmos falando sobre ela, nunca avançamos. Os fundadores tiveram uma grande ideia, mas era algo não terminado. Outras pessoas a melhorão. Se uma companhia não tiver diversos momentos de fundação, ela não sobrevive. Por fim, disrupção significa mover as coisas sem ordem. É caótico, como um terremoto e tsunamis. Não é o que quero. Quero uma revolução. Fazer mudanças, mas com propósito, visão, liderança, ordem e direção.
ÉPOCA: O senhor sempre fala com muita convicção sobre propósitos e valores. Parece ter muito claro seus objetivos. O que o faz ser assim?
Dorsey: Fui criado como católico. [Risos] Meus pais sempre buscavam por significado e propósito. Eram muito focados e abriram seus próprios negócios. Meu pai abriu uma pizzaria aos 19 anos. Fez isso não para abrir uma empresa, mas por amar fazer pizzas. Não deu certo porque ele havia combinado com o sócio que não namorariam funcionários para preservar o negócio e a amizade. Uma semana depois meu pai estava apaixonado, deixou o negócio e eu nasci dez meses depois. Tem que ter foco. Se você se distrai, o combustível acaba, seja o dinheiro, a energia ou as ideias acabam.
ÉPOCA: Porque o senhor acredita que programar muda a forma como pensamos?
Dorsey: Ao programar, você aprende como decisões são tomadas, como as regras afetam um sistema. Isso melhora dramaticamente como você pensa sobre problemas, você os quebra em partes menores e mais simples. É um exercício simples e profundo. Dar ordens a uma máquina é parecido com o que acontece em nosso cérebro. É ligar e desligar interruptores, só que em vez de dados, temos células mudando de posição.
ÉPOCA: Como fazer sucesso e se tornar bilionário tão jovem o afetou?
Dorsey: Nunca mudei de comportamento. Ainda vou de ônibus para o trabalho. Sou do Missouri, um estado muito humilde. Você não pode se deslumbrar com os elogios ou o dinheiro. Não era esse seu propósito. As coisas ficam mais fáceis, andam mais rápido, mas ainda é tão difícil quanto porque eleva o nível do que você precisa fazer em seguida.
ÉPOCA: Como lidar com a pressão de sempre ter de elevar o nível? Há um limite em algum ponto.
Dorsey: Existe? Se você acredita, então, sim. Caso contrário você identifica o limite e o ultrapassa. E faz isso de novo. Não é uma pressão ruim. É algo que nos torna melhores. Funcionou para mim.
ÉPOCA: O senhor tem um jeito contido. Fala sempre no mesmo tom e ritmo. Não é expansivo. É tímido?
Dorsey: Valorizo muito a autoconsciência. Conheço a mim muito bem e tenho muita convicção. Espero a hora certa de falar.
ÉPOCA: Como é ser comparado a Steve Jobs?
Dorsey: Recebo com muita humildade. Sempre comparamos o que é novo ao que já conhecemos. Se ele não existisse, eu seria comparado a outro. Ao mesmo tempo, não foi só ele. Havia todo um time na Apple. Normalmente colocamos tanta ênfase no indivíduo em vez de valorizar o grupo. A maior lição de Jobs para mim foi que não se deve seguir os passos de outra pessoa. Você trilha seu próprio caminho. O importante é enxergar oportunidades e agir na hora.
Fonte: revista Época
muito pertinente .