Tal como a célebre música de Raul Seixas que virou título de filme biográfico, a ênfase da inclusão digital não está no início, ou mesmo no fim, mas está no meio. O início é o conteúdo a ser acessado nas tecnologias de informação e comunicação (TICs). O fim se refere a objetivos diversos associados ao uso das TICs como educação, trabalho e lazer entre outros. Se conteúdo está associado ao “o que?” e o objetivo está associado ao “para que?”, o meio se refere ao “como?”.
O “como” envolve várias questões começando pelo tipo de dispositivo utilizado, por exemplo computador ou telefone. Ou ainda, telefonia fixa ou móvel e assim por diante. Os conceitos de conectividade e convergência estão associados ao “como”. Conectividade significa acessar as TICs a partir de diferentes lugares. A mobilidade espacial proporcionada por acessos remotos sem fio (celular, 3G, 4G e Wi Fi) está na base da revolução recente nesta área. Convergência permite o acesso a diferentes serviços no limite de um mesmo dispositivo (device) tais como computador, celular, palm tops, console de vídeo-game, etc. Se convergência significa unificar dispositivos de acesso, conectividade significa multiplicar lugares de acesso. A união harmoniosa dos vetores conectividade e convergência guarda a promessa de reduzir custos e ampliar possibilidades espaciais de realização de nossas atividades cotidianas.
Tratamos aqui menos da discussão de como prover o acesso digital e mais da questão mais terrena de como desenhar indicadores para medição do seu progresso e percalços. O último dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs) da ONU incorpora indicadores de conectividade. Entretanto, temos dado pouca importância aos mesmos. À medida que se aproxima 2015, data final do compromisso do milênio fixado pela ONU, voltamos à discussão das metas a serem perseguidas.
Participo de comissão internacional e de seminários em Paris, Seul, Pequim, Pretoria, Mumbai, finalizando com um organizado e sediado por nós no Rio de Janeiro em torno da fixação de novos objetivos do milênio (Post-2015 Targets). A proposta hoje em discussão prevê a ampliação desses objetivos de 8 para 12. A incorporação efetiva de indicadores no âmbito dos compromissos do milênio talvez seja a maneira mais efetiva de transformá-lo numa meta de governos não só nacionais como locais, setor privado e sociedade.
Buscando subsidiar esse debate, lançamos uma série de estudos sobre conectividade numa parceria entre o Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas e a Fundação Telefônica/Vivo e alguns novos pontos estão aqui sintetizados. Vide o estudo anterior em www.fgv.br/cps/telefonica
No âmbito da inclusão digital, nas medições e nas discussões de política de acesso a internet temos conferido ênfase exagerada ao computador e pouca aos celulares, que é uma tecnologia mais intuitiva e difundida no Brasil e no mundo. Aqui a taxa de cobertura de domicílios com celular é 87% contra 43,34% da telefonia fixa e 40% de computador com internet. Na média mundial esses respectivos números são 79,96% contra 43,34% e 36,29%, respectivamente. Estudos têm captado efeito positivo da telefonia e serviços associados em forte difusão por meio do celular sobre o crescimento econômico.
Na hora de se traçar metas de telefonia, a forma fixa ou móvel não deveria importar. O acesso à telefonia fixa caiu em oito anos 14,2% enquanto a móvel aumentou 165%. O uso domiciliar dos dois tipos de telefonia subiu 66,9%. Agora o uso de uma das duas tecnologias sobe 48,8%. Em números absolutos, a telefonia fixa e móvel atinge a cobertura de 38,7% enquanto a cobertura de tecnologia fixa ou móvel chega a 85,7%.
Uma outra questão relevante se refere à unidade de medição: domicílios ou indivíduos. Apesar de usarmos o termo computador pessoal (PC de Personal Computer), o que é realmente pessoal é o uso do celular. O telefone fixo e o computador, em particular os desktops, estão mais associados a ativos familiares. Outra clivagem relevante é aquela existente entre cobertura e uso efetivo das tecnologias. Nas estatísticas domiciliares se socializa um suposto uso pleno do ativo entre os vários membros de cada domicílio.
De maneira geral as bases de dados internacionais e domésticas têm enfatizado o acesso domiciliar e não o uso individual efetivo, que seria mais relevante. Esse ponto importa para questões ligadas a desigualdade digital como gênero e idade, por exemplo. No gênero o acesso domiciliar é 2,9% favorável a elas mas no conceito de uso individual efetivo é 4,1% favorável a eles.
O uso individual de internet tem crescido a taxa de 8,8% ao ano. O objetivo da conexão à internet, independente do dispositivo de acesso, são diversos indo desde atividades mais frequentes associadas a comunicação (37,3%), lazer (29,6%), leitura de jornais e revistas e busca de informações (28,7%), educação e aprendizado (28,1%). Além disso há alguns usos mais específicos como comércio eletrônico (8,1%), governo eletrônico (8%) e transações financeiras (7%).
Fonte: Valor Econômico, 24/07/2012
No Comment! Be the first one.