As diversas visões pró-estado são dominantes na grande maioria na sociedade, sobretudo em nível universitário, embora essas mesmas pessoas, sobretudo universitários, não confiem em políticos e burocratas. Apenas essa contradição resume toda a discussão sobre educação que deve ser vislumbrada no século XXI.
Qualquer ato estatal é um ato obrigatório, ou um ato que tente obrigar toda a sociedade a agir desta ou daquela maneira. Mesmo quando não são leis, o estado nada pode fazer sem o dinheiro de alguém, e este dinheiro é tomado à força do “contribuinte” (outra contradição flagrante, esta semântica). Após o absolutismo e a inauguração do estado moderno pareceu natural olhar para a História como uma eterna sucessão de estados gigantescos (via de regra confundindo autoritarismo com totalitarismo e com absolutismo), tornando o dirigismo estatal contemporâneo algo “natural”, quando deveria ser encarado como uma das maiores estranhezas do Ocidente.
A história do Ocidente é a história do descobrimento do indivíduo. Por outro lado, esse indivíduo é geralmente descoberto sob um ar sufocante de planificação massificada guiada por um pequeno grupo que, com poucas premissas, quer consertar algum defeito estatístico da humanidade, sem atentar para todas as consequências negativas que seu centralismo inevitavelmente acarretará.
A educação, hoje, é tida como o grande motor de melhoria da sociedade. Não é entendida como um mecanismo de mudanças, e sim, necessariamente, de melhorias – como se fosse impossível aprender coisas ruins na vida. Graças a este erro de cálculo, até mesmo pessoas que recuam de pavor a qualquer dirigismo burocrático ainda acatam de braços abertos mecanismos de centralização no que tange à educação. Quando se trata de fazer com que todas as pessoas tenham uma base comum de educação (todos saberem ler e fazerem contas), já soa mais palatável a ideia de obrigar toda pessoa a ter uma carga de conhecimento padronizada via estatal.
Pulando a discussão sobre os níveis mais básicos de ensino (nem é preciso citar os resultados do homeschooling e de tantas outras medidas para tal), surpreende que os lugares-comuns dominem mesmo a discussão superior – como se fazer ciência e pesquisas livres fosse mais adequado sob ditames padronizados pelo MEC. Daí que, mais uma vez em contradição, surge o apelo por “regulamentação” de profissões exigindo cursos inúteis, que demandam tempo e dinheiro de profissionais já gabaritados, a um só tempo em que setores progressistas preguem uma educação “livre” do mercado (na prática, apenas fazem sua tradicional e jeca reserva de mercado).
Ao voltar no tempo e olhar para a Idade Média, quando as universidades surgiram, vemos que os cursos superiores, tutelados geralmente mais pela igreja do que por estados paupérrimos, tinham cursos voltados apenas para as profissões sem as quais o grau civilizatório de uma cidade medieval europeia decairia em absoluto: a teologia, o direito canônico e a medicina. A educação preparatória não era dirigida pelo estado: as escolas ensinavam as artes liberais, ou aquela riqueza cultural do Ocidente que faria com que qualquer um, independentemente da futura profissão, aprendesse a viver, ficando o ensinamento não liberal e técnico para as corporações de ofício (as guildas).
Primeiramente havia o Trivium, descrito por Pedro Abelardo como os três componentes da ciência da linguagem: a lógica, a gramática e a retórica. Como descritos por Hugo de São Vítor (1096-1141) no Didascálion, “a gramática é a ciência de falar sem erro. A dialética [rebatizada de lógica após a redescoberta da “nova lógica” de Aristóteles no séc. XII] é a disputa aguda que distingue o verdadeiro do falso. A retórica é a disciplina para persuadir sobre tudo o que for convincente”. Vencida a etapa da mente (o estudante chegava à escola já com 14 anos, tardíssimo para padrões modernos), poderia encarar o Quadrivium, o conhecimento do mundo e das coisas: aritmética, música, geometria e astronomia.
Não deixa de ser doloroso ouvir protestos contra o “sucateamento do ensino” justamente daqueles que mais lutam para destruir a educação livre: os que defendem um planejamento central e controle estatal da educação, insistindo que o modelo que mais destruiu nossa capacidade de entender a lógica dos fatos ainda pode funcionar, desde sejam seus asseclas que o dominem. Assim garantem que a própria ideia de educação seja destruída, não mais sendo entendida como ex ducare, ou seja, tirar o sujeito das trevas e lhe apresentar o mundo. Pelo contrário: ao invés de usarem a força coercitiva e obrigatória do estado para ensinar os rebentos como pensar, usam tal poder astronômico para entuxar-lhes o que pensar goela abaixo.
O caso é grave, e passado de professor a aluno: sem conhecimento de lógica e entendimento causal – o consecutio temporum – no ensino superior, confundem o próprio título superior com o que sabem – passando assim a seus alunos uma cartilha ideologizada e mastigada que é recebida como o supra sumo do entendimento humano. Em cursos de ciências humanas grita-se contra as “forças de mercado” ou outras quimeras que podem acabar com o dirigismo da educação não por buscarem uma educação livre – e sim porque, ensinado a como pensar, o aluno dificilmente cairia nos mesmos erros platiformes em que incorreram tantos pensadores modernos que foram os pais da inanição econômica, do totalitarismo brutal do século do genocídio estatal ou, em menor escala, do financiamento de burocratas – sem nunca se perguntar, por causa e consequência, de onde viria tal dinheiro.
O liberalismo surgiu de uma educação liberal: não deixa de ser curioso que, ao se entender o comportamento econômico em qualquer lugar, tantos tenham chegado às mesmas conclusões em épocas tão diversas, seja a Escola de Salamanca ou uma romancista russa como Ayn Rand, que não deveria conhecê-la. Já as doutrinas que consigam defender atuação estatal econômica e política não surgem do encadeamento de pensamento: são ideologias que precisam ser passadas de geração em geração, sem discussão de premissas e consequências imprevistas. O pensamento liberal contemporâneo deve voltar às suas origens pré-econômicas para expandir sua atuação, redescobrindo o indivíduo sob o império do estado.
Enquanto buscam corrigir a sociedade e seus erros através da educação, na prática apenas transformam a educação em promoção social, produzindo diplomas e controlando profissões e pensamentos. Enquanto acreditam lutar contra o mercado, apenas impedem a diversidade de atividade e monopolizam uma fatia de ideias e de profissões para quem for mancomunado com o sistema.
A liberdade na educação fatalmente concluirá ser vantajoso lutar contra seus próprios grilhões.
Fonte: Ordem Livre
Excelente artigo, dos melhores.
Sem liberdade o Estado continuará replicando cabeças quadradas, envoltas na mais densa névoa da ideologia dos zumbis controláveis!