O Brasil está discutindo o Egito. Isso é normal. Por aqui, tudo terminou bem. Lula foi embora nos braços do povo e deixou a chave com a sucessora. Todos estão felizes. Mesmo os críticos do PT estão adorando a “presidenta”. O elogio corrente é ao silêncio de Dilma Rousseff. Os bem-pensantes estão deslumbrados com tudo o que ela não fala. Diante desse quadro de harmonia plena, as manchetes se voltam para a ditadura egípcia. Os brasileiros não aguentam mais o regime de Hosni Mubarak.
É uma pauta interessante. Chega de discutir política nacional. Do jeito que as coisas vão, se Dilma se internar num spa por uma semana é capaz de ninguém notar. Ou então será mais um pretexto para exaltações ao “estilo” da nova governante (ou o certo será “governanta”?). Em que consistiria o tal estilo? Ainda não há definições precisas. Um de seus traços marcantes, como já observado, é não dizer nada. O estilo aparentemente se completa com outro traço mais ousado: não fazer nada.
Pela primeira vez na história da República um governo novinho em folha sai das manchetes com menos de um mês de vida. E para dar lugar ao Egito. Das duas, uma: ou os problemas brasileiros estão resolvidos ou o novo governo não começou.
Os primeiros meses de um governo são o seu instante decisivo. É quando ele tem potência para emplacar seus grandes projetos – o momento em que a boa vontade per capita está elevada, e as forças da inércia podem ser vencidas pela mudança. Depois tudo se acomoda, o fator novidade se esvai, e o melhor que se pode fazer é administrar satisfatoriamente o botequim. Collor forçou a abertura da economia, Fernando Henrique iniciou as reformas do Estado e consolidou o Real, Lula tentou (em vão) o Fome Zero.
Dilma decidiu, deliberadamente, não tentar nada. Já era possível prever isso antes de sua posse, quando vazava da equipe de transição que a prioridade inicial seria a reforma política – o fetiche dos fetiches. Talvez pudesse ser uma cortina de fumaça para proteger alguma grande iniciativa: uma reforma do estúpido sistema de impostos, um plano de segurança pública decente, um choque de educação para tirar os professores da mendicância. Mas não era nada mesmo.
E lá vão os brasileiros exaltar o silêncio de Dilma. Fica faltando só uma pergunta: quem é Dilma?
Antes da eleição, ela era a afilhada de Lula, a mãe do PAC, a rainha do pré-sal e todos os slogans inventados para tirá-la do anonimato. Hoje, ela é a presidenta da República, com um ministério meio político, meio xepa do antecessor, liderando a falta de projetos de um governo sem cara alguma. Durma-se com um silêncio desses.
A tragédia das enchentes no Rio de Janeiro já saiu de cena, dando lugar ao Egito. É normal. Ficou tudo resolvido na região serrana do Rio com o Plano Mercadante – uns apontamentos de um seminário de meteorologia que o ministro da Ciência e Tecnologia leu em público para avisar o país que daqui a quatro anos vai morrer menos gente do que morreu agora. Um plano provavelmente irrevogável, como foi o pedido de demissão do próprio Aloizio Mercadante, então senador, da liderança do governo no auge do escândalo Sarney.
Como se sabe, Mercadante acabou ficando onde estava, por força do hábito. Revogou o irrevogável e abriu caminho para que Sarney também ficasse onde estava – a presidência do Senado, onde fora flagrado fazendo tráfico de influência por meio de atos secretos. Foi tudo tão bem feito, e o brasileiro está tão preocupado com o Egito que Sarney está aí de novo – não só livre, leve e solto, como reeleito presidente do Senado Federal.
Eis então uma injustiça na suposição de que Dilma não faz nada: ela trabalhou duro pela reeleição de Sarney.
Cada governo com sua causa, e cada país com o governo que merece. Fora Mubarak!
É perfeitamente explicável. Como a situação no Egito é extremamente crítica e trata-se de uma ditadura como as que eles tanto admiram, em homenagem ao povo egípcio, Dilma optou por se fazer de múmia.