Editorial do jornal “O Globo” analisa os primeiros desafios de Dilma Rousseff : “salário mínimo” e o “janeiro quente” do MST. Alianças que geram muitas demandas e difíceis de se agradar podem dificultar a nova gestão.
Leia o artigo na íntegra:
O teste do salário mínimo e do MST
O disparo de Carlos Lupi contra a posição oficial, externada pelo ministro Guido Mantega, a favor de um salário mínimo não superior a R$ 540, é de quem não se sente parte de um governo. Lupi, ao dizer que o Executivo deve se curvar ao que decidir o Congresso, agiu como chefe de partido, o PDT, não como alguém do primeiro escalão governamental.
A posição assumida pelo ministro do Trabalho é típica de um governo que herda da gestão Lula a marca do fisiologismo na sua composição. Lupi se encontra no ministério não para cumprir um programa do Planalto, mas para trabalhar por suas bases e, em troca, destinar os votos do partido no Congresso para aprovar projetos do Palácio. Mas desde que atendam à sua clientela. Parece claro que Dilma Rousseff não governa do púlpito, como o antecessor, o qual, em oito anos, fez, em média, um pronunciamento por dia. Um exagero. Mas, como a presidente tem um ministério montado a partir da mesma visão fisiológica do toma lá dá cá da gestão Lula, se Dilma não der um rumo em assuntos cruciais, como o do salário mínimo, o governo poderá ficar à deriva, ao sabor de lobbies, pressões e chantagens dos partidos da base.
Como na Era Lula, o governo Dilma parece uma colcha de retalhos, uma federação de capitanias hereditárias e respectivos donatários. Com a grande diferença de que não existe mais o líder carismático, o Nosso Guia” no Planalto para orquestrar toda esta dissonância. Muito menos a conjuntura mundial favorável.
O anunciado teste que o MST fará de Dilma Rousseff com o “janeiro quente” (uma série de invasões de terras e de prédios públicos este mês) é mais um problema a ser equacionado. A temperatura deve aumentar à medida que o governo vá em frente no projeto esboçado pelo novo ministro do Desenvolvimento Agrário, Afonso Florence, de eliminar ou reduzir o aparelhamento do Incra e do ministério, entregues no governo Lula ao MST. Conseguirá?
O “janeiro vermelho” funciona como uma cartão de visitas da organização política em que o movimento se converteu, hoje distante da questão da reforma agrária. Um líder do MST explica que eles não têm compromisso com qualquer governo. Nem com o estado de direito, deve-se acrescentar. Na campanha, a candidata Dilma Rousseff criticou atos ilegais de ocupação de terras e repartições públicas. Para ser coerente, terá de repetir as críticas. A presidente foi premonitória ao citar Guimarães Rosa no discurso de posse: “Viver é perigoso.” Sem dúvida, há enormes riscos em se presidir um país necessitado de correção de rumos no momento em que o governo se sustenta em partidos mal acostumados com barganhas por baixo da mesa.
Há, ainda, neste amplo arco de alianças, corporações sindicais de que Carlos Lupi é um dos agentes no ministério incapazes de enxergar a sociedade como um todo. A elas ainda se juntam organizações ditas sociais, interessadas em estar no poder e, como muitas outras, em ter acesso fácil ao Tesouro.
É impossível o Planalto atender todas as demandas desses aliados e ainda preservar a estabilidade econômica e o crescimento. O “não” terá de ser dito por alguém.
Publicado em 12/01/11
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