No final de junho, chegará ao fim o segundo programa de “quantitative easing” (QE2) do Fed, consumindo US$ 600 bilhões. Qual será o impacto dessa retirada de estímulos no preço dos principais ativos?
Dependendo da premissa adotada, o efeito pode ser bem diferente. Alguns analistas nem mesmo ignoram a possibilidade de uma extensão do programa de estímulos: um QE3.
Há dados que mostram uma inegável recuperação da economia americana. Mas o ponto central é a sustentabilidade dessa recuperação. Afinal, a economia americana mais parece um doente na UTI, recebendo doses cavalares de adrenalina na veia. O que acontecerá quando os estímulos forem retirados?
Ninguém sabe ao certo. E essa extrema incerteza reduz o apetite dos empresários. As empresas americanas possuem uma montanha de dinheiro em caixa, mas não estão dispostas ainda a acelerar a taxa de investimentos. São muitas dúvidas pairando no ar. O governo americano, com seu déficit de quase US$ 1,5 trilhão, terá inevitavelmente que aumentar impostos no futuro. Os empresários, antecipando isso, ficam com apetite menor para investir. Não obstante, as mudanças regulatórias pós-crise geram mais incertezas ainda.
Por fim, as taxas de juros anormalmente baixas produzem investimentos ruins, distorcendo os preços na economia e quebrando o termômetro dos empresários. Investimentos que não seriam rentáveis acabam parecendo interessantes, e recursos são desviados para projetos ineficientes.
O setor de tecnologia passa por uma renovação em seu ciclo de investimentos. Empresas como Facebook levantaram bilhões de investidores, mas são empresas que geram poucos empregos diretos. Além disso, houve um aumento do desemprego estrutural nos EUA, pois muitas pessoas se tornaram corretores com a bolha imobiliária, e agora não possuem qualificação adequada para novas áreas. Treinar essas pessoas leva muito tempo. Mas como o Fed possui um mandato duplo, de mirar na inflação e no emprego, pode ser que ele decida manter uma política monetária expansionista por mais tempo.
Esse cenário é extremamente arriscado. O valor do dólar está perto de seu patamar mínimo de 2008, antes de estourar a crise mundial. Isso, por sua vez, ajuda a elevar o preço das commodities, que são negociadas em dólar. Como consequência, as economias emergentes desfrutam um momento favorável, mas os preços começam a subir, primeiro dos produtores, e depois dos consumidores. O mundo está agora vivendo esta etapa do ciclo. Se o Fed normalizar suas taxas e retirar os estímulos, um “crash” no preço das commodities não pode ser descartado. Isso teria efeitos catastróficos para algumas economias emergentes, incluindo o Brasil.
Por outro lado, se o Fed mantiver sua postura recente, novas bolhas poderão ser formadas, e a inflação poderá sair de controle nos países emergentes, e depois também nos países desenvolvidos. O governo americano e o Fed parecem estar abusando daquilo que Charles De Gaulle chamou de “exorbitante privilégio”, o fato de o dólar ser usado como moeda de reserva internacional. Sem ter para onde correr, credores como a China acabam reféns do dólar. O ouro, sintoma desses desequilíbrios todos, já chegou a US$ 1.500 a onça.
O que poderia salvar o dólar e colocar a economia americana num “bull market” sustentável? Apenas as duras reformas que endereçassem os rombos fiscais. Mas, como a Standard & Poor’s avaliou, dificilmente haverá clima político para tanto. A agência colocou em “outlook” negativo a dívida soberana do país, algo que não ocorria há 50 anos. Apenas a responsabilidade fiscal poderia gerar a confiança necessária para investimentos produtivos, que produzem crescimento sustentável.
Sem isso, há apenas ciclos produzidos pela política monetária. O dólar pode ser “salvo”, nesse caso, pela desgraça alheia, como ocorreu em 2008. Uma crise explodindo na Europa novamente, ou um “crash” nas commodities arrastando os países emergentes fariam com que todos corressem para liquidez, ou seja, para o dólar.
Eis o dilema dos investidores atualmente: se o Fed retirar os estímulos e normalizar os juros, ele pode matar a frágil recuperação, muito dependente dos próprios estímulos artificiais; mas se ele decidir estender sua política expansionista, o dólar corre sérios riscos, e as commodities podem virar uma nova bolha. Nesse caso, o cenário “mais do mesmo” dos últimos dois anos poderá continuar inalterado por algum tempo. Mas tem que ser corajoso – ou irresponsável – para apostar pesado nesse jogo explosivo.
Fonte: Valor Econômico, 26/04/2011
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