Se um extraterrestre aterrissasse no Brasil após a tragédia do Rio de Janeiro, lendo certos jornais e notícias de algumas ONGs ambientalistas, não hesitaria em considerar o deputado Aldo Rebelo como um criminoso, responsável pela morte de mais de 780 pessoas. Espantado com a enormidade da tragédia, logo diria sem hesitar que a revisão do Código Florestal é a grande culpada do acontecido. Curioso, o extraterrestre procurou se informar melhor, acessou o site do Greenpeace, e se deparou com uma matéria intitulada “A receita da tragédia”, onde a turma da “motoserra” seria, também, a verdadeira responsável de tudo. Ou seja, os ruralistas, o agronegócio e o deputado Aldo Rebelo seriam os culpados da ocupação desordenada do solo nas regiões urbanas! Em apoio, a matéria cita ainda dois membros da mesma ONG como opiniões balizadas sobre o assunto. Isto seria o equivalente a pedir a uma mãe judia ou italiana uma opinião isenta sobre o seu filho. A parcialidade seria manifesta!
O extraterrestre, no entanto, não era uma pessoa politicamente correta, que embarcaria em qualquer estória que lhe fosse contada. Há muito tinha se vacinado contra tal tipo de posição. Era apenas uma pessoa interessada pela verdade, atenta aos fatos, e informando-se nas mais diferentes fontes. Atento, começou ele por se indagar por conexões causais mínimas, que devem, logicamente, seguir um critério de temporalidade. O efeito, por exemplo, deve ser — esta é uma condição lógica — posterior à causa. A filha não pode ser a causa do nascimento da mãe. A revisão do Código Florestal está em discussão na Câmara dos Deputados, não tendo sido ainda aprovada. Uma vez aprovada, deverá seguir para o Senado e, depois, para a sanção presidencial. Logo, se ela não vigora, como pode ela ser a causa da tragédia? A causa deveria ser necessariamente outra, que obedeça, pelo menos, um nexo lógico e temporal. Cidades têm uma legislação específica, que é a Lei de Parcelamento e Ocupação do Solo Urbano. É esta a lei que vigora nas áreas devastadas. Aliás, o próprio deputado Aldo Rebelo já se manifestou a respeito, declarando que o seu Parecer não introduz nenhuma alteração na lei em vigor, destinandose à área rural. Uma questão sensata, portanto, seria a de se indagar se ela lei foi seguida, a saber fiscalizada, obedecida, nas cidades envolvidas nessa tragédia. Talvez aí estivesse a verdadeira receita da tragédia e não causas fantasiosas. Aliás, a quem interessa esse ataque despropositado à revisão do Código Florestal?
Tomemos um exemplo para melhor expor o absurdo do “argumento”. Segundo alguns defensores ambientalistas deveria ser proibido construir em topos de morros, aqueles que o tenham feito devendo restaurar a mata ou vegetação nativa. Tal medida valeria, ainda segundo eles, para cidades e para zonas rurais. Isto significa, então, que o Pão de Açúcar e o Cristo Redentor deveriam ser removidos. O “argumento”, levado a sério, leva a essa conclusão. Ainda do ponto de vista urbano, isto significaria em muitas cidades brasileiras, como São Paulo, a remoção de casas e edifícios construídos à margem de rios, arroios e várzeas. Ruas e avenidas de muitos centros urbanos simplesmente desapareceriam. Algumas cidades deveriam, mesmo, ser parcialmente reconstruídas.
Pessoas mais sensatas poderiam contra-argumentar que o que já foi feito, segundo a legislação vigente na época, deveria ser reconhecido como legalmente válido, não comportando nenhuma alteração. Ora, é isto que o deputado Aldo Rebelo defende em seu relatório, voltado, aqui, para a questão rural, atingindo agricultores familiares, pequenos, médios e grandes produtores, todos se encontrando em uma mesma situação.
No entanto, a sensatez não é um bem compartilhado pelo mundo do politicamente correto. Os seus defensores mais acerbos sustentam que, no que diz respeito ao direito ambiental, não há direito adquirido nem legislação que se contraponha a ele. O direito ambiental teria efeito retroativo, o que é uma enormidade, só defendida pelo nazismo.
O extraterrestre, além de afeito às leis da lógica, da temporalidade e causalidade, tinha uma particular sensibilidade para fotos e imagens. Lendo jornais e vendo televisão, verificou que áreas particularmente atingidas pelos deslizamentos eram regiões de mata nativa. Isto mesmo, matas nativas e não regiões desmatadas. Talvez o problema poderia obedecer, conforme essa ótica, a um fenômeno natural, isto é, uma grande precipitação pluvial que teria encharcado uma terra de pouca espessura e densidade, sobre um terreno rochoso. A terra, encharcada, perderia a sua estabilidade e levaria consigo a sua vegetação nativa.
As vítimas seriam aquelas pessoas cujas moradias foram irregularmente construídas abaixo dessa área instável, tendo sido levadas de roldão. Analogamente, isto seria o equivalente a “permitir” a construção dos mais diferentes tipos de moradia no sopé de vulcões ativos. Em conseqüência, a responsabilidade seria basicamente dos prefeitos e de suas equipes que deixaram que essas construções fossem erigidas.
Primeiro, populações pobres começaram a levantar moradias em áreas de risco, com o beneplácito do Poder público, graças a governantes populistas que pretendiam, com isto, faturar politicamente. Há discursos feitos em nome dos pobres que matam pobres. Segundo, moradias de ricos também foram construídas em algumas dessas áreas, graças provavelmente à venalidade da administração e da fiscalização, em particular. Não há nenhuma relação com a revisão do Código Florestal.
Dotado de bom senso, o extraterrestre se perguntou por que nenhum sistema de alerta funcionou a contendo. Já precavido não culpou o deputado Aldo Rebelo, os ruralistas e o agronegócio, ainda que isto fosse “lógico” segundo o oportunismo ambiental. Soube que projetos anunciados não foram realizados e nem verbas federais liberadas. Certos terráqueos têm cada uma!
Fonte: O Estado de S. Paulo, 31/01/2011
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