A assinatura da deputada Nice Lobão – campeã em faltas na Câmara e esposa do ministro Edison Lobão, protegido de José Sarney – no projeto de lei de cotas nas instituições federais de ensino superior e médio é um desses acasos repletos de significados. Por intermédio de Nice, a nova elite política petista se abraça às elites tradicionais numa santa aliança contra o princípio do mérito. Os aliados exibem o projeto como um reencontro do Brasil consigo mesmo. De um modo perverso, eles têm razão.
Nunca antes uma democracia aprovou lei similar. Nos EUA as políticas de preferências raciais jamais se cristalizaram em reservas de cotas numéricas. Índia e África do Sul reservaram parcelas pequenas das vagas universitárias a grupos populacionais específicos. O Brasil prepara-se para excluir 50% das vagas das instituições federais da concorrência geral, destinando-as a estudantes provenientes de escolas públicas.
O texto votado no Senado, ilustração acabada dos costumes políticos em voga, concilia pelo método da justaposição as demandas dos mais diversos “amigos do povo”. Metade das vagas reservadas contemplará jovens oriundos de famílias com renda não superior a 1,5 salário mínimo. Todas elas, em cada “curso e turno”, serão repartidas em subcotas raciais destinadas a “negros, pardos e indígenas” nas proporções de tais grupos na população do Estado em que se situa a instituição. Uma extravagância final abole os exames gerais, determinando que os cotistas sejam selecionados pelas notas obtidas em suas escolas de origem.
Gueto é o nome do jogo. Só haverá uma espécie viciada de concorrência entre “iguais”: alunos de escolas públicas concorrem entre si, mas não com alunos de escolas privadas. Jovens miseráveis não concorrem com jovens pobres. “Pardos” competem entre si, mas não com “brancos” ou “negros”, detentores de suas próprias cotas. Cada um no seu quadrado: todos têm um lugar ao sol – mas o sol que ilumina uns não é o mesmo que ilumina os outros. No fim do arco-íris, cada cotista portará o rótulo de representante de uma minoria oficialmente reconhecida. O “branco” se sentará ao lado do “negro”, do “pardo”, do “indígena”, do “pobre” e do “miserável” – e todos, separados, mas iguais, agradecerão a seus padrinhos políticos pela vaga concedida.
Nice Lobão é apenas um detalhe significativo. O projeto reflete um consenso de Estado. Nasce no Congresso, tem o apoio da presidente, que prometeu sancioná-lo, e a bênção prévia do STF, que atirou o princípio da igualdade dos cidadãos à lixeira das formalidades jurídicas ao declarar a constitucionalidade das cotas raciais. O Estado brasileiro desembaraça-se do princípio do mérito alegando que se trata de critério “elitista”. Na verdade, é o avesso disso: a meritocracia difundiu-se no pensamento ocidental com as Luzes, junto com o princípio da igualdade perante a lei, na hora do combate aos critérios aristocráticos de promoção escolar e preenchimento de cargos no serviço público. Naquele contexto, para suprimir a influência do “sangue azul” na constituição das burocracias públicas, nasceram os concursos baseados em exames.
O princípio do mérito não produz, magicamente, a igualdade de oportunidades, mas registra com eficiência as injustiças sociais. Os vestibulares e o Enem revelam as intoleráveis disparidades de qualidade entre escolas privadas e públicas. Entretanto, revelam também que em todos os Estados existem escolas públicas com desempenho similar ao das melhores escolas particulares. A constatação deveria ser o ponto de partida para uma revolução no ensino público destinada a equalizar por cima a qualidade da educação oferecida aos jovens. No lugar disso, a lei de cotas oculta o fracasso do ensino público, evitando o cotejo entre escolas públicas e privadas. Os “amigos do povo” asseguram, pela abolição do mérito, a continuidade do apartheid educacional brasileiro.
O ingresso em massa de cotistas terá impacto devastador nas universidades federais. Por motivos óbvios, elas estão condenadas a espelhar o nível médio das escolas públicas que fornecerão 50% de seus graduandos. Hoje quase todos os reitores das federais funcionam como meros despachantes do poder de turno. Mesmo assim, eles alertam para os efeitos do populismo sem freios. O Brasil queima a meta da excelência na pira de sacrifício dos interesses de curto prazo de sua elite política. Os “amigos do povo” convertem o ensino público superior em ferramenta de mistificação ideológica e fabricação de clientelas eleitorais.
No STF, durante o julgamento das cotas raciais, Marco Aurélio Mello pediu a “generalização” das políticas de cotas. A “lei Lobão” atende ao apelo do juiz que, como seus pares, fulminou o artigo 208 da Constituição, no qual está consagrado o princípio do mérito para o acesso ao ensino superior. Mas a virtual abolição do princípio surtirá efeitos em cascata na esfera do funcionalismo público, que interessa crucialmente à elite política. As próximas leis de cotas tratarão de desmoralizar os concursos públicos nos processos de contratação, nos diversos níveis de governo.
A meritocracia é o alicerce que sustenta as modernas burocracias estatais, traçando limites ao aparelhamento político da administração pública. Escandalosamente, a elite política brasileira reserva para si a prerrogativa de nomear os ocupantes de centenas de milhares de cargos de livre provimento, uma fonte inigualável de poder e corrupção. A ofensiva dos “amigos do povo” contra o princípio do mérito tem a finalidade indireta, mas estratégica, de perpetuar e estender o controle dos partidos sobre a administração pública.
O país do patrimonialismo, do clientelismo, dos amigos e dos favores moderniza sua própria tradição ao se desvencilhar de um efêmero flerte com o princípio do mérito. Nice Lobão é um retrato fiel da elite política remodelada pelo lulismo.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 16/08/2012
De inicio disseram que as cotas desquificariam as universidades e nada aconteceu.Depois disseram que as cotas iam criar conflitos raciais,outro engano. Logo depois vieram com falsos argumentos de uma guerra civil racial,e nada aconteceu.
Depois de quatro meses da decisão historica do STF,certas pessoas não caíram na realidade e persistem no mesmo debate do medo.
Demetrio Magnoli,deveria repaensar os seus conceitos e ver que o mundo passa uma mudança onde aquelas minorias colocads a margem da sociedade querem um espaço na sociedade,pois estam cansados de ser somente minorias,querem como qualquer um ver seus direitos igualados.
o que espanta é o fato do
apego ideológico criar cegueira e o patrulhamento
estar cada vez mais em voga, e em setores que deveriam exercer o papel de pensar criticamente.
Cotismo.
Viver no Brasil nos mostra que o poço não tem fundo.
Pelo que se sabe, Demetrio Magnoli jamais fez crítica ao cotismo quanto ao aspecto de um possível rebaixamento do nível intelectual das universidades.
Ódio racial não é gerado de uma hora pra outra. O resultado dessas políticas odiosas só será sentido daqui a alguns anos.
O vestibular era até pouco tempo o maior filtro social do país em que filhinhos de papai com todo o tempo para estudar, fazer cursinho competiam em pé de desigualdade com miseráveis que trabalhavam e estudaram nas precarias escolas públicas do ensino médio (sucateadas pela ditadura militar deve ser dito, cujos liberais-conservadores, DEM e outros apoiadores fazem hoje de forma um raivoso discurso anti-cota e defendem hipocritamente melhorias no ensino básico e médio)
Da teoria para a prática sempre tem alguém para para detonar todo o processo, como se não pudesse ser aperfeiçoado ou as cotas fossem um pandemonio.
Magnoli entre outros fazem carreirismo no anti-cotismo ideologico. Privilegiado agora é o ex-escravo, rico é o sindicalistas da cut, mas onde estao os bannqueiros tucanos e os latifundiarios do dem nessa historia mal contada? Isso é ciencia social irresponsável.
Estudei a vida toda em escola pública ruim, péssima, sofrível. Em verdade, não considero-me preparado para as mais variadas áreas do conhecimento acadêmico, principalmente as que envolvam algarismos, por assim dizer. No entanto pratiquei a autodidaxia em outras disciplinas, cujo quais, sob meus próprios méritos, cheguei a certa excelência. O problema do ensino brasileiro é como uma hidra com varias faces, dentre elas a progressão continuada, o excesso de conteúdo inútil oferecido ao ensino médio e a preguiça gerada. E creio que a preguiça seja advento da própria falta de objetividade curricular. Sou radicalmente contra – radical no sentido de cerne – contra vestibulares, mas desde que o ensino seja aplicado de forma vocacional, incentivando a autodidaxia.
A forma em que se encontra política acadêmica brasileira já é um pesadelo, ela não vai piorar. Afinal nossa produção cientifica e citações acadêmicas são uma piada tragicômica no mundo. Não produzimos mestres, produzimos parasitas.
Além da dívida histórica da elite econômica e intelectual brasileira com anos de silêncio e abandono social e econômico da população negra, acredito que a destinação de 50% das vagas aos provenientes das escolas públicas possibilitará uma atração de jovens de classe média a frequentá-las e passarem a exigir, não só da escola e de seus professores, mas dos seus respectivos entes federativos prioridades orçamentária e qualidade social.
“Cegueira ideológica”, difícil, muito difícil de ser curada.
Antes de tudo, Fabio Nogueira (acima) só demonstrou como a educação brasileira é falha até em termos do ensino do próprio idioma.
Mas, indo ao foco da discussão, eu estudo em uma universidade pública e, mesmo com minha bagagem sendo de escolas particulares, me ralo o couro para conseguir acompanhar o nível e o ritmo empregado pelos professores. Sou um dos piores da minha turma. Mas de uma coisa eu tenho certeza, sou o pior entre os melhores. O nível de excelência é outro e nenhum professor aqui me passou por eu ser branquelo (acredite, também sou afro-descendente comprovado).
Um reflexo que prevejo do sistema de cotas é a entrada de cada vez mais pessoas incapazes de acompanhar o ritmo universitário de qualidade e, consequentemente, o maior índice de desistências.
Em condições normais esses “setores” da sociedade competem em pé de igualdade com qualquer elite. O que falta é oportunidade e as cotas podem, de fato, oferecer a oportunidade necessária. Em instituições federais não é exceção que o índice geral de rendimento acadêmico de cotistas supere o índice dos não cotistas.
O que acontece é que as cotas são nada mais nada menos do que uma forma de o Governo brncar com os números mais do que já brinca e maquiar as deficiências dos alunos e das intitiuiçõs de base educacional o qual o Brasil mesmo com essa maquiagem ocupa 84 posição perdendo pra países que são simbolo da miséria como a China e a India. O que realmente ocorre é que as rédias e a facilidade pra passar juntamente com a falta de incentivo ao ensino é comum em escolas públicas. Sei disso porque estive dos dois lados da moeda, estudei todo o meu ensino fundamental em escola pública e percebi que existia uma politica para não reprovar os alunos, somente os que davam muito trabalho e realmente não tinham condições passavam sem falar que a média era 5. Ao chegar no ensino médio minha mãe com muito sacrifício pagou a escola particular essa que nem era muito reconhecida onde eu moro, exigiu de mim bem mais do que a outra escola exigiae ao andar junto de meus amigos percebi que eles sempre tinham mais
cont:mais tempo livre do que eu, enquanto minha escola praticamente me arrancava a pele me obrigando a estudar meus amigos de escola pública estavam jogando bola. O que quero dizer é de que valeu o sacrificio da minha mãe pra me por nessa escola particular e o meu de me adaptar aos estudos se as cotas vão dar aos meu amigos que jogaram bola enquanto eu estudava as mesmas chances? Sem falar que a prova porta-de-entrada pra as universidades é o ENEM que não avalia em praticamente nada o desempenho em matéria específicas do aluno, o aluno agora tem que saber todas as matérias e muito bem pq perdeu metade das suas vagas nas cotas, onde fora delas a concorrência é desumana e é nos milesimos de pontos, enquanto ao relacionarmos com as notas cotistas chegam a diferença de 100 pontos. As universidades terão de se adaptar ao cotistas e cairam de nível, pois é sabido que a base de um estudante de escola particular é diferente de um de pública, onde estes reprovarão n vezes nas disciplinas do cur
O princípio da meritocracia subtende a igualdade de oportunidades. De outro modo, a promoção pelo mérito é uma farsa, e hipocrisia sua defesa.
A política de cotas foi mal nomeada: “mudança nas cotas” seria mais apropriado. Quem antes tinha a “cota” de 1, 5, 10 por cento, está passando a ter 30, 40 ou 50.
Uma pergunta emerge, sempre, e mais ainda depois de lidos alguns dos comentários já postados e seu Português escorreito: a que píncaros de excelência a meritocracia da casa-grande tem nos alçado?