Alienígena. O outro. Indivíduo de nacionalidade diversa daquela do Estado em que se encontra ou vive. Coisa vinda do exterior ou de Estado nacional distinto daquele em que ela se encontra. Forasteiro, exógeno. Pode ser utilizado sob duas óticas: a geográfica e a do utente da linguagem. Na primeira, estrangeiro é o indivíduo ou coisa proveniente de outro Estado nacional. Na segunda, estrangeiro é alguém ou algo de nacionalidade distinta daquela da pessoa que profere o discurso. Consequentemente, na utilização da palavra estrangeiro, deve-se estar referindo a (i) pessoa ou coisa proveniente de Estado diverso daquele em que se discursa, ou a (ii) pessoa ou coisa de nacionalidade distinta da nacionalidade de quem profere o discurso.
No que tange ao indivíduo, nacional de um Estado é quem a este está ligado por uma vinculação jurídica que se chama nacionalidade; por esta razão, quem não for nacional será estrangeiro. Tal compreensão tem perdido força, principalmente em virtude da construção da União Europeia como organismo supranacional em que se superou, por exemplo, a exclusividade do voto ao nacional do Estado a que está vinculado pela nacionalidade (um inglês pode participar das eleições municipais espanholas como inglês residente na Espanha, assim como pode votar, na Espanha e num candidato espanhol, para a composição do Parlamento Europeu – em ambos os casos o cidadão inglês pode votar nele próprio e receber votos, quando candidato).
No Brasil, a definição da nacionalidade local se encontra disposta no art. 12 da Constituição Federal – CF, havendo legislação infraconstitucional específica (Estatuto do Estrangeiro – Lei n. 6.815, de 18/8/1980). Quanto à fruição das liberdades públicas, em território nacional, pelo estrangeiro nele residente, confirmou a Suprema Corte brasileira que os estrangeiros fazem jus aos mesmos direitos e garantias fundamentais (HC 74.051-3/SC, rel. Min. Marco Aurélio, DJ, 20-9-1996, p. 34538).
Pelo fato de o caput do art. 5º da CF/88 ter se referido exclusivamente ao estrangeiro residente no Brasil, resta dúvida se o estrangeiro não residente poderia reclamar em seu favor a fruição, por si próprio, dos direitos e garantias do art. 5º e de outros dispositivos constitucionais de direitos fundamentais. Pode-se afirmar que aos não residentes se devem garantir os direitos e garantias fundamentais patrocinados pela Carta brasileira e pelos tratados internacionais de Direitos Humanos de que tenha feito parte o Brasil, sempre nos limites postos pela própria Constituição e segundo a aplicação do critério da proporcionalidade e na medida do possível (p. ex., não pode um estrangeiro candidatar-se a Presidente da República por conta de proibição constante na própria CF, art. 12, § 3º, I).
A CF/88 fez constar em seu texto o verbete estrangeiro nos seguintes dispositivos, que dispõem tanto da fruição de direitos quanto de limitações: art. 5º, caput, XXXI e LII; art. 12, I, a, b e c, II, b, e § 4º, II, b; art. 14, § 2º; art. 17, II; art. 20, III; art. 21, I; art. 22, XV; art. 37, I; art. 84, VII; art. 102, I, e e g; art. 105, II, c; art. 109, II, III, V e X; art. 149, § 2º, II; art. 153, I; art. 172, caput; art. 177, II; art. 192, caput; art. 199, § 3º; art. 207, § 1º; art. 222, § 4º; art. 227, § 5º; e art. 85, III, do ADCT.
Nas Sagradas Escrituras, várias passagens demonstram que ser estrangeiro era sinônimo de indivíduo que, além de exógeno, não aceitava o Deus de Israel. O casamento e/ou a assimilação da religião judaica supririam a exogenia; é o que se depreende nos acontecimentos que tornaram israelitas os personagens Rute, Raabe e Urias (Dt 7:3; Js 6:25; Rt 1:1-16; Et 8:17; Is 56:3-7; 1Sm 26:6; 2Sm 11:3; 2Sm 23:34). A novidade trazida pelos Evangelhos cristãos é includente e universalista no sentido de que, não importando a nossa origem, por meio de Jesus somos todos aceitos na Casa de Deus (Mt 1:5; Ef 2:19).
Em sua obra fundamental (O estrangeiro), Albert Camus propõe uma definição psicológico-filosófica para a palavra estrangeiro, numa visão de que, em seu precário existir, o ser humano não passa de um animal irracional e a morte é uma decorrência de se estar vivo. Tais características perceptíveis no Existencialismo de Camus partem do pressuposto de que no livro em tela o protagonista simplesmente vive, fazendo o leitor crer que a essência da vida é somente viver; e viver… Resumindo Camus: estrangeiro é aquele que se coloca em situação de indiferença e que não se reconhece em si próprio; é o exílio interior.
Em Habermas, estrangeiro é “o outro”, no que propõe o pensador alemão a aceitação de todos, dando sentido ao que chama de “cosmopolitanismo solidário”. Com este cabedal de pensamento, Habermas justifica, por exemplo, a União Europeia, propugna por uma total reforma da ONU e defende os Direitos Humanos internacionais.
Quebrando todos os paradigmas que atrelavam nacionalidade e cidadania já na Antiguidade, Sócrates sentenciava: “Não sou nem ateniense, nem grego, mas sim um cidadão do mundo”. Portanto, para Sócrates não era aceitável o conceito de estrangeiro. Para aprofundamento nos conceitos contemporâneos acerca do alcance da expressão estrangeiro, vide Kristeva e Todorov, ora indicados. No mesmo sentido, socraticamente pensando, já tive a oportunidade de dizer em texto recente: “As ruas são do povo; as cidades têm ruas; os países têm cidades; tudo e todos estão no mundo; e o mundo não tem paredes!”.
Como já afirmei acima, hoje o mundo se depara com verdadeiras hordas de apátridas, os heimatlós. Eles não são ninguém, e as eventuais terras que os acolhem os tratam de um modo pior que o dedicado aos estrangeiros.
Qual seria a solução para os apátridas? A resposta é: sendo a nacionalidade um direito fundamental, então deveria se verificar a desvinculação do direito de nacionalidade do Direito do Estado, de modo que a ONU pudesse conceder a tais pessoas uma “nacionalidade” (ou um reconhecimento) universal, e isto haveria de ser feito por Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas a ser seguida em tratados internacionais específicos pelos 192 países-membros da Organização.
Brilhante e elucidativo artigo acerca do estrangeiro e questionador sobre a situação dos apátridas. A solução apresentada me parece a mais justa, lógica e acertada, pois retira um estigma de um indivíduo apátrida para transformá-lo em cidadão. Perfeito sentido da aplicação dos “Direitos Humanos”.
Senhores da Millenium, trata-se o presente artigo da mais clara manifestação em favor da inclusão do outro e de todos. De fato, Alexandre Coutinho Pagliarini esmiuça os males que foram trazidos à humanidade pelos muros do nacionalismo exacerbado, ainda vigentes por conta das separações propiciadas pelos conceitos de estrangeiro. Parabéns ao Millenium pela iniciativa de dar o ponta pé inicial num debate que poderá redundar em novas perspectivas para os estrangeiros.
O Brasil sempre foi receptivo para com os estrangeiros. O que o articulista Alexandre Coutinho Pagliarini sugere é muito plausível. Eu, particularmente, adoro estrangeiros! Eles trazem novos elementos para a nossa cultura.
Sempre brilhante!
Na penúltima campanha política, um dos candidatos, o qual vou omitir o nome e o partido por questões pessoais, também era tratado como forasteiro aqui em Aracaju.
Foi feito uma campanha maciça sobre esse tema, tratando o caso como se fosse crime. Vários outdoors foram espalhados na cidade e no estado, tentando denegrir a imagem do candidato. Um absurdo. Aliás, seu conterrâneo, de Belo Horizonte.
Ainda bem que não houve necessidade de intervenção da ONU.
Voce pode se estender mais sobre questões vinculadas ao tema, como cidadania, extradição, expulsão, direito pelo sangue, direito pelo solo, naturalização…que tal?
Nacional é nacional. Estrangeiro é estrangeiro. A barreira é insuperável e com ela concordo. Sem tal barreira, onde estariam os Estados nacionais? Ronaldo Schneider
O povo brasileiro não é um povo xenofóbico.Quando expostos à maioria das culturas, o povo brasileiro utiliza adjetivos como: Que legal! Interessate! Fascinante!. Em contrapartida,Xenofóbicos são, sim, os EUA, que, ao aprenderem comportamentos culturais de qualquer outro povo, sempre os classificam como esquisitos, estranhos e toda sorte de adjetivos pejorativos…para que tanta intolerância? Acaso é possível dizer que esta, ou aquela, cultura é melhor ou pior? será que valoraremos até isto?
caro ronaldo, respeito a sua opinião, mas prefiro defender o cosmopolitanismo solidário que fiz constar no texto. prezada regina, você tem razão quanto às inclusões, mas o espaço jornalístico requer artigos pequenos, razão pela qual tive de manter o foco no estrangeiro. muito obrigado a todos os que se manifestaram acerca de meu texto. alexandre coutinho pagliarini
Olá,Sou estrangeiro e a poucos días me deparei com o preconceito e a xenofobia vindo de um senhor morador do meu predio, já que não tenho a violencia como opção para ajudar esta pessoa, quero muito oferecer a ele, INFORMAÇÃO sobre o tema, eu começei a pesquisar e não tenho encontrado muita coisa, tudo que puder aportar será bemvindo, desde já, grato!