Deu muito o que falar a mais recente capa da “Economist”: depois da famosa foto do Cristo Redentor decolando como um foguete, símbolo de um país que parecia finalmente se reencontrar com o crescimento, agora se vê um projétil sem rumo, mais uma oportunidade perdida. Fã que sou da revista, desta vez vou discordar dela, embora não da mesma forma que o governo brasileiro, cuja incapacidade para entender críticas atinge níveis lendários.
Não creio que o Brasil estivesse de fato decolando naquele momento; na verdade, nosso pífio desempenho nos últimos anos é um reencontro, mas com a dura realidade: o crescimento brasileiro, ainda que visivelmente mais rápido entre 2003 e 2010, nunca foi sustentável, no preciso sentido de poder ser mantido indefinidamente sem causar desequilíbrios, tanto internos quanto externos.
De fato, ao decompor a expansão do PIB entre o aumento do emprego e a elevação do produto por trabalhador, não há como evitar uma triste conclusão: a maior parcela do nosso crescimento não resultou de fazermos mais coisas com os mesmo recursos, mas, sim, de empregarmos mais recursos para fazer as mesmas coisas.
Soa um tanto abstrato, mas alguns números podem ajudar. Entre 2003 e 2013, o PIB cresceu, em média, 3,8% ao ano; destes, 2,3% resultaram do aumento do emprego e apenas 1,4% da maior produtividade. E o que é pior: nos últimos anos a contribuição da produtividade tem sido decrescente. Mesmo se desconsiderarmos as flutuações cíclicas, menos de 30% do crescimento do PIB dos últimos três ou quatro anos advém do aumento do produto por trabalhador. Trata-se de expansão baseada na força bruta.
O esforço reformista no Brasil, que se manteve até o começo de 2006, trouxe frutos, mas estes parecem ter durado apenas até 2009, quando a contribuição do aumento da produtividade representou um impulso da ordem de 1,7% ao ano para o PIB (ante 2,4% ao ano advindos do emprego).
Já nos últimos 12 trimestres até metade de 2013, a contribuição da produtividade se reduziu para 0,9% ao ano, enquanto a do emprego caiu para 2,2% ao ano.
Não é preciso um salto de imaginação para entender os entraves a este processo. A população em idade ativa (PIA) cresce cerca de 1% ao ano, o que implica limites muito claros à continuidade de uma estratégia que se ampare principalmente no aumento do emprego para a expansão do produto. Funciona bem quando a taxa de desemprego é alta, como era no começo do século, mas não pode ser mantida indefinidamente.
Já a produtividade, com boa vontade, tem crescido de 1% a 1,5% ao ano, o que significa que nossa velocidade de cruzeiro, dada a expansão da PIA, não pode ser muito diferente de 2% a 2,5% ao ano.
O que a “Economist” entendeu como um fracasso, em face de um crescimento mais vigoroso durante alguns anos, é apenas o reconhecimento dos limites existentes ao aumento do produto.
Como tenho insistido, não é esta a percepção que prevalece no governo (o que não chega a ser surpreendente, dada sua imunidade às críticas). Pelo contrário, todo arranjo de política econômica sugere que a visão oficial acerca da desaceleração é que se trata de fenômeno passageiro, resultado da crise externa, e que pode ser combatida com aumento do gasto e do crédito.
O resultado é um descompasso crescente entre a demanda (anabolizada pelo governo) e a capacidade limitada de resposta do setor produtivo. Do lado dos produtos que não podem ser facilmente importados e exportados, isto implica pressões sobre preços, expressas na alta inflação de serviços. Já no que se refere aos produtos que podem ser comercializados, resulta em piora das contas externas, também visível nos números mais recentes.
Concluindo, nossa chance já havia sido perdida antes de 2009, quando, embalados pelo aumento extraordinário dos preços de commodities, decretamos o fim prematuro do esforço reformista. Colhemos agora os frutos deste descaso.
Fonte: Folha de S. Paulo, 02/10/2013
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