O editorial do jornal “Zero Hora” comenta a concessão especial de passaportes diplomáticos aos filhos do ex-presidente Lula e aos familiares de parlamentares.
Leia na íntegra:
Os mais iguais
Está causando estranheza e até indignação a notícia de que, além de filhos do presidente Lula, também familiares de deputados e senadores foram contemplados pelo Itamaraty com passaportes diplomáticos, que permitem aos seus portadores uma série de privilégios em viagens internacionais. Embora tudo seja absolutamente legal, questiona-se a moralidade dos atos, que tornam alguns cidadãos “mais iguais” do que os outros, para usarmos uma metáfora consagrada pelo inglês George Orwell, na sua célebre obra “A revolução dos bichos”.
A verdade, porém, é que a legislação contempla a possibilidade de que parlamentares, assim como seus cônjuges e filhos, façam a opção pelo passaporte especial. A partir daí, evidentemente, este documento será utilizado tanto em missões oficiais quanto em viagens de turismo, pois seria insensato exigir que os seus portadores tirassem outro passaporte para passear. Não é ilegal e, talvez, em muitos casos, nem seja imoral. Mas a expedição do documento sob a rubrica “caráter excepcional” suscita dúvidas, principalmente quando tal concessão não é tratada com a devida transparência. Além disso, o aparente descontrole na emissão de passaportes especiais se insere num contexto de favorecimentos autoconcedidos pelos ocupantes do poder.
Há coisas mais graves no próprio parlamento, a começar pelos reajustes desmedidos que deputados e senadores incluíram recentemente nos próprios contracheques, sem considerar as consequências para os contribuintes do efeito dominó deflagrado pela decisão. Também persistem no âmbito do Congresso Nacional outros privilégios injustificáveis, como a assistência médica total aos parlamentares e seus familiares, sem limites de despesa, à qual fazem jus até mesmo aposentados que exerceram mandato ou ocuparam cargos públicos por menos de um ano. Como no caso dos passaportes, também estes benefícios têm suporte legal e só poderiam ser suspensos ou alterados com mudanças na legislação que dependem dos próprios beneficiados.
As deformações do Legislativo são sempre mais visíveis, porque é um poder exposto à fiscalização dos cidadãos. Mas outras áreas da administração também desfrutam de benesses inexplicáveis, ainda que respaldadas em artifícios legais. É o caso, por exemplo, da incorporação aos vencimentos do Judiciário do antigo auxílio-moradia, criado para compensar congressistas que deixavam seus Estados natais para trabalhar em Brasília e não eram contemplados com residência funcional. Quando os ministros do Supremo conquistaram a equiparação com os parlamentares, magistrados de todo o país, por meio de ações judiciais e decisões administrativas, obtiveram também o direito de receber o benefício retroativo à década de 90. Pagou-o, como sempre, o contribuinte.
É evidente e republicano que agentes públicos, incluindo os detentores de mandatos e os ocupantes de cargos importantes, devem receber remuneração adequada e vantagens compatíveis com as suas atribuições. Parlamentares em missão oficial têm todo o direito a usufruir de facilidades diplomáticas. Magistrados precisam ser recompensados adequadamente, além de contar com as
garantias previstas pela Constituição para que possam exercer suas funções com a independência que o ofício exige. Mas não é justo nem moral que, além dessas prerrogativas, os cidadãos brasileiros tenham também que sustentar privilégios mascarados pela legalidade espertamente construída.
Publicado em o2 /11/11
Está na hora das pessoas entrarem com ação na Justiça responsabilizando pessoalmente o ministro Celso Amorim como responsável por essa verdadeira “farra diplomática”.