Vivemos tempos conturbados. O dólar rompe barreiras, a inflação ameaça, o crescimento da economia brasileira é pífio, assim como o desempenho da balança comercial e do saldo em conta corrente, em deterioração, para não esquecermos as contas fiscais, rodeadas de operações suspeitas, as “maquiagens contábeis”.
Pode-se afirmar, então, que o ambiente econômico atual reflete o ocaso da política econômica do governo, conhecida como “nova matriz macro”, sustentada pelo câmbio depreciado, pelo juro baixo, pela frouxidão fiscal e pela leniência com a inflação, para proporcionar maior crescimento. Embora ainda defendida por algumas hostes no governo, em função da proximidade do ciclo eleitoral, já surgem vozes discordantes de dentro, principalmente do Banco Central (Bacen).
Na semana passada, essa situação ficou bem clara, depois das declarações de Carlos Hamilton, diretor de Política Econômica, defendendo maior cautela diante da inflação baixa de julho. Para ele, esta foi “um ponto fora da curva”, a mais baixa no ano, ainda havendo uma série de fatores preocupantes para os próximos meses, como descritos acima. Ou seja, existe um contraponto claro ao receituário da Fazenda dentro do próprio governo. Depois de tantos equívocos, principalmente com reflexo na perda de confiança, o Bacen já se parece mais com a ortodoxia do ciclo Meirelles, durante o governo Lula, e isto pode ser um alento.
Não apaga, no entanto, os estragos já feitos. Embora com preponderância de fatores externos, o dólar também cobra seu preço pelos erros da política econômica, ultrapassando a barreira dos R$ 2,30 e indo célere para R$ 2,40 ao fim deste ano ou passando disso (será?). Na quinta-feira passada fechou a R$ 2,34, numa depreciação de 14,7% ao ano. Desde fevereiro de 2012, quando esse processo foi detonado, a depreciação já chega a 37%. Se pelo lado doméstico essa perda de confiança externa se reflete na evasão de divisas, no mercado global predomina como foco de tensão pela perspectiva de mudança da política de compra de ativos pelo Federal Reserve (Fed).
Na semana passada, essa possibilidade aumentou, agora, podendo ocorrer em setembro. Isso veio no bojo da redução da demanda por seguro desemprego, de boatos sobre o recrudescimento da inflação e algumas declarações desencontradas de players de mercado e diretores do Fed. Lembremos que, em setembro, saem os dados do mercado de trabalho consolidado (dia 6 de setembro) e acontece a reunião do Fed (dia 17 de setembro), quando, por certo, alguma decisão será anunciada. Por outro lado, é preciso cautela neste momento, porque esse processo, quando começar, terá que ser gradual e sem solavancos, no esforço de preservar a retomada da economia norte-americana, para muitos ainda não consolidada.
Isso pode ser visto pela trajetória dos títulos norte-americanos de dez anos, benchmark para o mercado, por nortearem a taxa de juros para o crédito de bens duráveis das famílias. Pelo gráfico a seguir, é possível verificar que os rendimentos (yields) estão em 2,8% anuais, e estimativas sinalizam algo em torno de 3,5% para setembro de 2014, sendo que o Fed só deve começar a elevar o juro (Fed Funds) em meados de 2015, quando alguma pressão inflacionária pode ocorrer na economia norte-americana, além do mercado de trabalho mais aquecido.
Por outro lado, com o juro básico nominal mais elevado no Brasil ao fim deste ano, previsto em 9,25%, a taxa real deve ficar em torno de 3,7%, tendo-se como premissa o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) a 5,5%, mais atrativo do que os 2,8% sinalizados pelos T-Bonds. Sendo assim, um diferencial de juro se observa, possibilitando o ingresso de recursos externos para renda fixa, amortecendo essa depreciação do real ao fim deste ano.
Em contrapartida, o dólar no patamar atual deve acarretar em uma inflação maior, o que pode colocar sob estresse o patamar esperado para o IPCA este ano. Com algo em torno de 14,7% de depreciação cambial, o repasse pode chegar a 0,8 ponto percentual sobre o IPCA. Difícil saber, portanto, em que intensidade e por quanto tempo ocorreria esse repasse. O fato é que essa postura mais autônoma do Bacen é um bom sinal para as expectativas dos agentes em relação à inflação neste ano (e no próximo).
Toda cautela em relação ao dólar e inflação, no entanto, é pouco. Como bem dizia o nosso saudoso Mario Henrique Simonsen em outras épocas, “se a inflação aleija, o câmbio mata”.
Nada mais acertado.
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