A economia brasileira deve crescer 4% no próximo ano e 4,1% em 2014, bem menos que as da China, da Índia e da Indonésia, segundo as novas projeções da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Mas e depois? Mesmo a estimativa para 2014 pode ser otimista, no caso do Brasil, mas a questão mais importante para um país com algum planejamento seria outra. Nesse país, o governo estaria muito mais empenhado em cuidar dos gargalos estruturais, incluída a oferta de capital humano, do que em levar à Organização Mundial do Comércio (OMC) o debate sobre o câmbio. Tem-se consumido muito esforço para calcular a taxa cambial necessária para o Brasil competir nas atuais condições. O valor, segundo alguns, estaria na faixa de R$ 2,30 a R$ 2,40. É tempo de mexer no disco e mudar de faixa. Qual seria o câmbio adequado, se a produtividade brasileira fosse mais parecida com a de seus concorrentes? Câmbio faz diferença, sem dúvida, mas a insistência do governo brasileiro no tema da guerra cambial é apenas uma nova manifestação da velha mania de atribuir os males nacionais a perversas forças externas.
Seria bom, para variar, um pouco mais de atenção à experiência chinesa. Para atribuir os mais de 20 anos de crescimento chinês apenas – ou principalmente – à manipulação cambial, é preciso fazer tábula rasa de uma taxa de investimento próxima de 40% do produto interno bruto (PIB), da rápida absorção de tecnologia, do esforço educacional (veja-se, por exemplo, o número de estudantes no exterior) e da modernização da infraestrutura. Algum ministro da Educação terá alguma vez defendido como aceitável, na China, algo semelhante ao padrão “os menino pega os peixe”? Se o fizesse, estaria solto?
Excluído o Brasil, os Brics e boa parte dos emergentes terão condições de manter taxas de crescimento bem superiores à média mundial nos próximos anos. Alguns países desenvolvidos, a começar pelos Estados Unidos, provavelmente sairão da crise com sistemas produtivos mais preparados para uma longa fase de expansão. As perspectivas brasileiras são muito diferentes, por enquanto. Nem é preciso chamar a atenção para a evolução do País – de 38.º para 37.º, numa lista de 43 – no ranking de competitividade elaborado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. Mesmo as novidades positivas apontadas pelo diretor do Departamento de Competitividade e Tecnologia da entidade, José Ricardo Roriz Coelho, são pouco entusiasmantes.
Ele mencionou a redução dos juros, a mudança do câmbio para o patamar de R$ 2,00 por dólar e a desoneração da folha de pagamento de vários setores, mas acabou lembrando alguns obstáculos indisfarçáveis, como a baixa taxa de investimentos. Seria necessário, segundo ele, investir pelo menos 25% do PIB. Ainda assim, é bom lembrar, a formação de capital estaria muito abaixo dos padrões observados entre os emergentes.
Um governo mais propenso ao planejamento (algo diferente da intervenção autoritária) estaria mais preocupado até com o setor mais competitivo da economia brasileira, o agronegócio. Num excelente artigo publicado recentemente no “Valor”, dois diretores da Associação Brasileira de Produtores de Milho, o ex-ministro Alysson Paulinelli e Cesário Ramalho, presidente da Sociedade Rural Brasileira, discutiram os limites naturais à expansão da agricultura brasileira e as fontes possíveis do crescimento. Segundo estudo citado, a área disponível para novas lavouras é “bem menor do que supõe o senso comum”. Restando pouco espaço para a ampliação horizontal, sobram, no entanto, “possibilidades fantásticas” de crescimento por meio de ganhos de produtividade.
Isso inclui, entre outros itens, uma exploração maior das chamadas “safrinhas” (segundas safras) em mais regiões, algo possibilitado pelo clima. A irrigação, principalmente no Nordeste semiárido, poderá proporcionar mais uns 10 milhões de hectares. Mas serão necessárias, acrescentam os especialistas, novas contribuições da pesquisa, por meio, por exemplo, “da criação de cultivares adequados aos limites impostos pelos regimes de chuvas e temperaturas regionais, além de resistentes a pragas e doenças locais”. Ainda será preciso encontrar soluções para o aumento da produção de carne com uso mais restrito da terra, em parte por causa do avanço do plantio de grãos. Somados todos os desafios, há uma enorme pauta para a pesquisa e também para a extensão e a assistência técnica, “lamentavelmente abandonadas no País nos últimos anos”.
Nenhuma das grandes questões da indústria manufatureira e do agronegócio será resolvida com o chamado ativismo cambial, a redução voluntarista dos juros e os remendos tributários promovidos, nos últimos anos, a instrumentos de política industrial. Insistir nessa orientação é comprometer as perspectivas de crescimento além de 2013/2014 e perder o bonde mais uma vez.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 28/11/2012
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