Há uma notícia pior que a mistura de inflação em alta, economia quase parada, contas públicas piorando e balanço externo em deterioração. O fato mais assustador, mas nada surpreendente, é a tranquilidade, quase alegria, exibida pela presidente Dilma Rousseff e por sua solerte equipe econômica diante desse quadro. Este ano foi difícil para todos, disse o ministro da Fazenda, Guido Mantega, na apresentação do oitavo balanço do PAC 2, o atual Programa de Aceleração do Crescimento. Foi realmente um ano difícil, mas ele parece haver esquecido alguns detalhes. A economia americana continuou em recuperação, com mais investimentos e mais exportações, a União Europeia começou a sair da recessão, o Japão continuou avançando e a maior parte dos emergentes, embora perdendo impulso, continuou crescendo mais que o Brasil. A economia brasileira, disse nesta semana o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Márcio Holland, será uma das poucas, neste ano, com crescimento superior ao de 2012. Ora, alvíssaras! E quantas terão crescido 0,9% no ano passado, depois de alcançar o ritmo quase alucinante de 2,7% em 2011?
Se a presidente e seus ministros levam a sério o próprio discurso, ninguém deve esperar medidas mais produtivas nos próximos meses, até porque a campanha para a reeleição é o primeiro item da agenda presidencial. A inflação e as contas públicas estão absolutamente sob controle, disse a presidente em Salvador, na terça-feira.Pelos dados oficiais, essa inflação “controlada” continua em alta. O IPCA-15, prévia do Índice de Preços ao Consumidor Ampliado, subiu 0,27% em setembro e 0,48% em outubro, continuando a ascensão iniciada em agosto. Em julho havia ficado em 0,07%, mas no mês seguinte já avançou 0,16%.
Acabado o efeito dos truques com tarifas de ônibus e de eletricidade, o conjunto dos preços voltou ao curso normal numa economia com muita gastança pública, muita demanda privada de consumo e capacidade produtiva defasada. Além disso, a difusão dos aumentos de preços passou de 59,5% em setembro para 65,8% em outubro, no IPCA-15, segundo cálculo da Votorantim Corretora.
O indicador de difusão – porcentagem de itens com majoração de preços – é rotineiramente calculado pelas instituições do mercado financeiro. É um importante sintoma da vulnerabilidade dos vários segmentos do mercado às pressões inflacionárias. Quando a alta se espalha por quase dois terços dos preços e a alta geral acumulada em 12 meses, 5,75%, continua longe da meta, discutir se a inflação está controlada ou descontrolada é um exercício de escassa utilidade. Além disso, o resultado em 12 meses deve continuar acima da meta de 4,5% nos próximos dois anos, até o terceiro trimestre de 2015, segundo projeção do Banco Central (BC) repetida na ata da última reunião do Comitê de Política Monetária.
Além dessa ata, o BC divulgou também, nesta semana, seu índice de atividade econômica, o IBC-Br, uma espécie de prévia do produto interno bruto (PIB). Esse indicador subiu apenas 0,08% em agosto, depois de ter caído 0,33% em julho. Mesmo com um resultado melhor em setembro, a comparação do terceiro com o segundo trimestre deverá apresentar uma variação muito próxima de zero, talvez negativa, segundo a maior parte das projeções do mercado.
Esse e outros números parecem apontar, passados três quartos do ano, um crescimento pífio em 2013, embora maior que o do ano passado. O ministro da Fazenda já declarou aceitar a projeção de 2,5%, formulada pelo BC e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).
Mas o FMI, ao contrário do governo brasileiro, projeta a mesma taxa também para 2014 e uma expansão anual média, nos próximos cinco anos, de 3,5%, se os investimentos em infraestrutura começarem a deslanchar. As previsões são melhores para a maior parte dos emergentes da Ásia, da Europa ex-socialista e da América Latina. Quase todos, além disso, continuarão com inflação menor que a do Brasil.
O crescimento brasileiro, garante o ministro da Fazenda, será puxado, a partir deste ano, principalmente pelos investimentos. Mas, como ele mesmo reconhece, o valor investido em equipamentos produtivos, em instalações e em infraestrutura tem continuado próximo de 18% do PIB, poderá subir um pouco este ano e caminhar – esta é a meta oficial – para 24% dentro de alguns anos. Ninguém sabe quando essa proporção será alcançada, Quando isso ocorrer, o Brasil ainda investirá menos, proporcionalmente, do que investem hoje as economias mais dinâmicas da América do Sul.
Se esse avanço depender do governo, o caminho será muito longo, Até setembro o Tesouro investiu 35,7% dos R$ 91,2 bilhões previstos no Orçamento federal, valor menor que o do ano passado, descontada a inflação. A infraestrutura continua muito deficiente e o setor privado, por muitas razões, também tem investido menos que o necessário.
A piora da balança comercial é uma das consequências. O saldo oficial de 2013 até a segunda semana de outubro foi um superávit de US$ 964 milhões. Na semana anterior, a exportação fictícia de uma plataforma de petróleo havia adicionado US$ 1,9 bilhão à receita. Essa e outras plataformas contabilizadas neste ano jamais foram embarcadas. A operação tem finalidade tributária, mas é contada como receita.
A presidente e seus auxiliares costumam insistir, também, no discurso da boa gestão fiscal. Podem convencer quem ignora a contabilidade criativa e as ligações perigosas do Tesouro com os bancos federais – dados conhecidos internacionalmente e objetos de gozação dentro e fora do País. Pelo menos isto se pode dizer a favor da retórica e dos truques oficiais: são divertidos.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 19/10/2013
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