Há problemas que se resolvem sozinhos, como por encanto. Essa expectativa, certamente otimista, justifica a atitude de esperar um pouco diante de uma dificuldade. Quem sabe?
O risco é deixar muitos problemas no modo de espera, ao mesmo tempo. Em política econômica, então, é um perigo, especialmente porque as coisas aqui sempre têm verso e reverso.
O governo Dilma teve uma boa experiência recente de um problema que está se resolvendo por encanto — o real valorizado, apontado pela equipe econômica como principal culpado da baixa competitividade da indústria nacional. A recuperação dos Estados Unidos e a mudança da política monetária deles, com a alta dos juros, fortalecem o dólar e, pois, desvalorizam as demais moedas, especialmente dos países emergentes. E, com isso, o real, acima de R$ 2,30 por dólar, chega a um nível de conforto, na definição de autoridades econômicas.
Isso aconteceu de maio para cá e foi uma surpresa. A Petrobras, por exemplo, quando fez seu plano de negócios, em janeiro deste ano, cravou um dólar a R$ 2,00, constante, e de R$ 1,85 no médio prazo. É isso mesmo, R$ 1,85, valor hoje sem o menor sentido.
Ainda em abril deste ano, o chamado consenso de mercado, opinião dominante entre analistas fora do governo, previa um dólar a R$ 2,00 em dezembro/13 e de apenas R$ 2,05 em dezembro do próximo ano.
Hoje, ainda há setores da indústria dizendo que, para exportar, precisam de um dólar acima de R$ 2,40, mas que os 2 e 30 já quebram um bom galho. E o governo não fez nada por isso, tudo presente dos EUA.
Vai daí, parece que o governo espera outras soluções do mesmo jeito. Ainda a Petrobras. Se o dólar mais caro favorece as exportações, também encarece as importações e a dívida de quem tomou empréstimos externos. É justamente o caso da Petrobras, importadora líquida de gasolina e diesel — que vende por preço menor ao que paga lá fora. Duplo prejuízo.
A solução trabalhada, não por encanto, seria permitir que a Petrobras aumentasse o seu preço de venda, mas isso dá mais inflação, outro problema que permanece no horizonte. Aliás, o dólar caro espalha inflação por toda a economia, e não apenas nos combustíveis.
Muita gente no governo acredita que a inflação também se irá sozinha, mas não o Banco Central, que está aumentando os juros para combatê-la. A questão é: até onde os juros precisam e podem subir?
Sim, porque o outro problemaço é o baixo crescimento da economia — que continua no cenário mesmo depois do bom resultado do segundo trimestre. Os dados do terceiro já mostram forte desaceleração — e juros altos, ou seja, crédito mais caro para empresas e consumidores, certamente não ajudam qualquer recuperação.
É verdade que, para esta recuperação, o governo conta com os leilões de privatização de rodovias, portos, aeroportos e ferrovias, ou concessões, na língua oficial, que provocariam uma onda de investimentos. Também é verdade que, aqui, o governo não está esperando que a solução caia do céu. Está empenhado em realizá-los.
Mas parece que espera uma solução por encanto do maior problema que cerca esses leilões: o marco regulatório (ou a confusão regulatória) e a falta de confiança dos investidores no governo.
O governo quer aqui uma combinação impossível: muitos investimentos privados, lucros limitados e tarifas baixas. Quando o pessoal reclama, o governo responde: confiem em nós que vai dar certo. Em termos mais práticos, o governo diz aos investidores: quem ganhar a concessão terá direito a ter o governo como sócio, via BNDES, outros bancos públicos e fundos de pensão de estatais. Mas reparem: essas associações terão que ser negociadas e fechadas depois do leilão. Ou seja, o investidor precisa acreditar que o embrulho regulatório e as confusões feitas pelo governo nas áreas de energia elétrica e combustíveis, por exemplo, serão sanados rapidamente por esse mesmo governo. E este, de sua parte, acha que os leilões vão resolver tudo.
Tudo somado e subtraído, o governo espera que a Petrobras se vire — e invista no pré-sal e nas refinarias — sem o reajuste dos combustíveis e sem a derrubada do dólar. Também espera que os juros altos, dos quais não gosta, contenham a inflação, sem segurar o crédito e o crescimento. Acredita ainda que o real desvalorizado ajuda a indústria e as exportações em geral, mas não gosta nem de pensar que derruba o poder aquisitivo dos salários pela alta da inflação. Acha que pode estimular e bancar investimentos em infraestrutura, sem prejudicar o consumo e os gastos públicos.
E assim vamos, quer dizer, esperamos.
Fonte: O Globo, 05/09/2013
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