A missão militar brasileira no Haiti — em nome da ONU — para restaurar a estabilidade do país depois de um período de anomia política não foi novidade. O Brasil já teve missões parecidas em outras regiões do mundo (em geral sob a égide da ONU), mas nenhuma de tão longa duração e envolvimento.
Aliás, vários pensadores militares visualizam estas missões como uma tarefa importante para as forças armadas brasileiras que não podem se envolver em guerras de ataque ou conquista.
Assim, um nicho importante para encontrar uma destinação às Forças Armadas brasileiras (além da recente e controvertida ocupação de favelas em território nacional com vistas à “pacificação destas áreas”) tem sido seu emprego em Forças Internacionais de Paz, a mais recente e mais duradoura no Haiti.
Contatos entre culturas trazem resultados nem sempre esperados. O Haiti, em geral, nunca fez parte do “mapa cultural” dos brasileiros. País pequeno e francófono, metade de uma pequena ilha no Caribe, fazia apenas parte das intermináveis e cansativas lições de geografia escolar que nos ensinavam que a capital era Porto Príncipe.
O reverso era verdadeiro do ponto de vista haitiano. O país era francófono e o pólo de atração de trabalho para os haitianos que emigravam eram os Estados Unidos, mais próximos e mais prósperos.
Manter uma missão militar de paz há oito anos no Haiti, entretanto, foi uma coisa que colocou o Brasil no “mapa cultural” dos haitianos. Os brasileiros, apesar dos capacetes azuis, existiam como brasileiros, falavam uma língua diferente e tiveram contato com os haitianos.
Para o Brasil esta é uma experiência nova e que está tendo consequências não antecipadas: a migração crescente de haitianos para o Brasil.
Para os Estados Unidos esta é uma experiência antiga, pois são acostumados a manter presenças militares maciças em países com os quais fazem guerras, ou nos quais mantêm bases militares. A cada guerra ou prolongadas missões militares seguiam-se ondas migratórias intensas. Cidadãos destes países passavam a conhecer os Estados Unidos e desejar para lá migrar. Relações pessoais, de amizade, ou afetivas geravam filhos de soldados americanos que tinham direito à cidadania norte-americana. Lá isso era rotina. Sem falar no atrativo da mobilidade social.
Como dizia um casual observador da “sociologia do dia a dia,” uma olhada no aumento de abertura de restaurantes étnicos em Nova York era um indicador de uma nova onda de cidadãos de algum país com ou no qual os Estados Unidos haviam se envolvido militarmente no período imediatamente anterior à onda.
Agora começaram a desembarcar no Brasil os haitianos e muita gente (inclusive a imprensa) parece surpresa e alguns (mais sobre o assunto daqui a pouco) indignados.
A vinda dos haitianos não foi só consequência da existência de tropas brasileira em território do Haiti. O terremoto de 2010 também reduziu as oportunidades econômicas naquele país.
Ao mesmo tempo em que a economia do Brasil melhorava, os destinos típicos de imigrantes de países pobres para os Estados Unidos e a Europa tornaram-se menos viáveis com a crise econômica.
Agora o Brasil está enfrentando os problemas de ser não só um país mais ativo no cenário militar centro-americano, como de ser uma economia em expansão, com oportunidades de trabalho crescentes.
Desde o início da humanidade as pessoas sempre votaram com os pés: se não estavam satisfeitas num lugar ou se lá não havia comida ou oportunidades de melhorar de vida, elas caminhavam para outros lugares nos quais esperavam que a vida fosse melhor.
Assim, nenhuma surpresa é que o Brasil seja hoje um destino preferencial para muitas pessoas ao redor do mundo que buscam melhores oportunidades.
Segundo soube recentemente, em 2011, o governo brasileiro concedeu mais de cem mil vistos de trabalho para imigrantes em busca de uma vida melhor, atraídos pela necessidade de mão-de-obra de todos os níveis no Brasil. Isso aconteceu em silêncio e não causou espanto a ninguém.
Os únicos interessados em espernear com isto foram os vários conselhos que representam profissões regulamentadas que buscaram dificultar a entrada de profissionais estrangeiros que viessem a competir com os brasileiros que tinham suas confortáveis profissões regulamentadas, que defendem com unhas, dentes, advogados e lobistas.
Isso não é privativo do Brasil. Sempre que existem ondas de migração, os locais que antecipam possibilidades de concorrência mais acirrada esperneiam e alegam todos os tipos de razões para evitar a entrada dos novos imigrantes.
Se entraram mais de cem mil imigrantes e ninguém falou no assunto (eu só vim a saber do assunto numa palestra em Washington, no início de janeiro deste ano), por que tanta agitação a respeito dos haitianos?
Cem mil entram em silêncio legalmente e cerca de quatro mil haitianos causam esta comoção toda? Por que será?
Um morador da fronteira com o Peru e com a Colômbia deu a resposta que os brasileiros preferem não dizer: os haitianos são negros.
“Estranhamos no início porque aqui não tinha negros, só caboclos, índios e colombianos”, disse Ribamar Leite, 24, funcionária de um restaurante.
Acontece que a maior parte dos haitianos são negros e os brasileiros têm uma enorme dificuldade de admitir que existe preconceito anti-negro na sociedade brasileira.
Esta pode ser uma das respostas para discutirmos, pois enquanto os imigrantes eram de outros grupos étnicos não havia essa grita. Agora tem gente achando que estamos sendo invadidos por um grupo de negros.
É sempre bom lembrar que milhões de negros foram para cá trazidos como escravos contra sua vontade por mais de três séculos e que, segundo o censo do IBGE de 2010, o Brasil é um país de pardos.
Como vamos tratar agora a chegada dos haitianos?
Fonte: Ordem Livre, 25/01/2012
Temos hoje metade de nossa população constituída de negros, mas ainda assim o brasileiro tem algum tipo de discriminação contra os mesmos. Parece que o pensamento do Conde de Gobineau ainda está presente dentro das mentes racistas e etnocentristas de algumas pessoas, esse é um pensamento tacanho que deve ser proscrito da nossa sociedade.