O momento atual da economia brasileira mostra bem como a política econômica precisa ser sempre um jogo de verso e reverso.
Comecemos pelo último lance importante, a decisão do Banco Central (BC) de iniciar um ciclo de alta da taxa básica de juros, mais outras medidas de contenção do crédito, para combater o surto inflacionário.
O BC agiu corretamente, tal é o entendimento dominante. Inflação é um inimigo principal. Mas por que houve esse surto de inflação?
Primeiro, a alta de preços de alimentos, uma consequência de problemas climáticos mundo afora e do forte aumento da demanda, também mundo afora, especialmente na China, e especulação no mercado financeiro global. Como os alimentos estão em alta, e devem continuar assim por um bom tempo, pois as pessoas dos países emergentes estão ganhando renda e, logo, comendo mais, é um bom negócio tomar dinheiro emprestado a juro zero (nos EUA ou no Japão) e comprar commodities agrícolas em valorização.
Mas, acredite, isso é muito bom para o Brasil. Grande exportador de alimentos, o País se beneficia diretamente desses preços em alta. E tanto se beneficia que a diplomacia brasileira torce o nariz quando o presidente da França, Nicolas Sarkozy, sustenta que o G-20 precisa montar uma política de estocagem de alimentos e controle de cotações para derrubar preços.
Nisso o Brasil está com os EUA, também grande produtor agrícola. Ambos são contra controles internacionais, dizem que não funcionam. Entendem que cada país deve cuidar individualmente de seu fornecimento de alimentos – e da eventual inflação que isso acarreta.
Mas, por falar em inflação, o fenômeno brasileiro não se restringe a alimentos. É, também, e muito fortemente, uma consequência do aquecimento excessivo da economia brasileira.
Crescimento é bom – e todos por aqui celebram os bons números do PIB, da geração de emprego, do crescimento dos salários e do crédito em alta, tudo turbinando o consumo. Compramos em 2010 nada menos que 3,5 milhões de veículos!
Mas, quando o consumo em geral vai mais depressa que a produção local, isso dá em duas consequências: aumentam as importações e… os preços. Serviços, por exemplo, como cortar o cabelo, engraxar um sapato ou contratar um pedreiro para reformar o banheiro, itens que não podem ser importados, vão logo subindo de preço.
Aí já não é bom. Muita importação custa dólares, gera déficits nas contas externas. Inflação come o poder aquisitivo dos salários.
Logo, vem o BC e aumenta juros e reduz o crédito, para esfriar o consumo geral.
Mas juros altos tornam as aplicações em reais ainda mais atraentes. De novo, é negócio tomar dinheiro emprestado a juro zero no mercado internacional e comprar títulos do governo brasileiro, que chegam a pagar a inflação mais 6% de ganho real.
Além disso, se a economia está crescendo, se as empresas avançam com exportações de commodities e com o mercado interno, incluindo obras na exploração de petróleo, então é promissor fazer negócios no Brasil.
Resultado, mais dólares entram no País. E aí, sabe como é, com muito dólar na praça, cai o preço da moeda americana e valoriza-se o real. Além disso, o governo tem de gastar reais para comprar os dólares excedentes, evitando mais valorização da moeda nacional. E aplica esses dólares nos mercados internacionais, a juros de mixaria.
Ou seja, sai caro para o governo essa operação toda. Paga 12% em reais e ganha 2% em dólares.
É, mas se não comprar os dólares, a moeda americana fica muito barata. “Qual o problema?”, pode-se dizer. É até bom. Um fatores de controle da inflação tem sido justamente o dólar barato, que barateia tudo que é importado e tudo que tem componente importado, como computadores ou celulares. Também facilita as viagens internacionais que têm feito a primeira festa de muitos brasileiros. E, com esses produtos mais baratos, aumenta o poder de compra das famílias, o que dá aquela sensação de bem-estar econômico que elegeu Dilma Rousseff.
No reverso, o real muito valorizado, muito forte, encarece os produtos brasileiros de exportação. Com isso, os produtores locais de qualquer coisa sofrem com a concorrência estrangeira nos mercados locais e internacionais.
Por exemplo: o aço brasileiro fica mais caro que o aço chinês importado; a geladeira brasileira fica mais cara na Argentina e perde espaço para o eletrodoméstico de Cingapura. Ou seja, podem faltar empregos por aqui.
Vai daí, o governo toma medidas para dificultar a entrada de dólares e tentar até uma desvalorização do real. Mas a exportação, que é boa, continua trazendo dólares, assim como a taxa de juros, elevada para conter uma inflação provocada pelo preço de alimentos, que por sua vez causa mais entrada de dólares.
Mas, para combater o excesso de demanda que causa a inflação, o governo tem outro instrumento: a redução dos gastos públicos. Isso funciona, com certeza. Mas essa política se opõe a tantas promessas de campanha, inclusive de um PAC returbinado.
Não raro, uma medida anula a outra, se as doses não forem bem definidas. E, sobretudo, se não forem definidos os objetivos principais.
Em tempo: exceto em seu último ano, o governo Lula sempre privilegiou o tiro na inflação. Em 2010, tomado de soberba e com o objetivo de eleger Dilma, Lula conseguiu que a Fazenda desandasse a gastar e que o BC segurasse os juros.
A ver como a sucessora se vira com essa herança inflacionária.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 24/01/2011
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