Está criada uma bela confusão, no país, a respeito da formação de médicos. Isso nunca foi um ponto pacífico nos meios universitários. A relação candidato-vaga é escandalosa, chegando em alguns casos a 100/1. Temos hoje cerca de 380 mil médicos no Brasil, mas o problema é a sua má distribuição no território nacional. Há excesso nas regiões Centro e Sul, enquanto nas demais a falta é praticamente generalizada, com ênfase no Amazonas e no Maranhão.
Um grupo de ilustres médicos, tendo à frente o dr. Adib Jatente, que é acriano de nascença, na década de 1980, procurou interferir no problema. Esteve no então Conselho Federal de Educação, na época presidido pelo educador Fernando Gay da Fonseca, para procurar uma solução que desse mais qualidade aos formandos.
Tivemos alguns entreveros, pois entre os médicos havia os extremados: queriam fechar três cursos de medicina do Rio de Janeiro, como se fosse esse o problema. Como presidente da Câmara de Ensino Superior, com a moral de não ter criado nenhum curso de medicina em três anos, insurgi-me contra a violência, que inclusive feria dispositivos da autonomia universitária.
Vê-se por aí que a questão vem de longe. Aliás, pensando bem, remonta aos tempos de Hipócrates, por muitos considerado o “pai da medicina” e que nasceu no ano de 460 a.C., numa ilha grega. É famoso o juramento em que sintetizou a essência do seu conjunto de obras e pensamentos e que é repetido até hoje na formatura dos nossos médicos.
Nesse momento de confusão, em que o governo se intromete com ideias esdrúxulas, como a de ampliar a duração do curso para oito anos, em mais um factoide inexplicável, vale a pena recordar os compromissos do velho pensador grego: “Conservarei imaculada minha vida e minha arte… Prometo que, ao exercer a arte de curar, mostrar-me-ei sempre fiel aos preceitos da honestidade, da caridade e da ciência… Nunca me servirei da minha profissão para corromper os costumes ou favorecer o crime… Se eu cumprir este juramento com fidelidade, que me seja dado gozar para sempre a minha vida, honrado entre os homens: se eu dele me afastar ou infringir, o contrário aconteça”.
De nada adianta contratar médicos do exterior, sejam eles de Cuba, de Portugal ou da Espanha, para atuar no interior, se não lhes forem dadas condições compatíveis de trabalho. Já não se pensa nas dificuldades linguísticas, pois essas poderão ser superadas com cursos rápidos, mas o que se reclama é que o governo brasileiro apenas se mostra preocupado com a transferência física dos médicos, sem oferecer as mínimas condições de apoio material em equipamentos, hospitais e ambulatórios. Espera-se que eles, por serem estrangeiros, façam milagres?
O SUS é bem uma demonstração de incompetência. Filas imensas, prazos extensos para operações emergenciais, uma crônica falta de leitos e materiais. Em municípios do interior, onde encontrar aparelhos de ressonância magnética ou tomografia computadorizada? Um luxo? Não, uma necessidade.
A triste realidade é de que cerca de 700 municípios, dos nossos 5.500, não têm um único profissional de saúde. Em outros 2 mil, cada 3 mil pacientes disputam a atenção de um médico, como se isso não atentasse contra a dignidade humana.
Faltam médicos no Brasil e eles precisam ser formados de modo competente. Deve-se exigir mais das escolas de medicina, mas é preciso oferecer condições a cada uma delas para que cumpram devidamente a sua missão, especialmente as que pertencem diretamente ao governo.
Querem um exemplo de desídia, entre muitos outros? O estado de abandono escandaloso do Hospital São Francisco de Assis, na Avenida Presidente Vargas, no Rio de Janeiro, como retrato cabal de incúria administrativa. Antes de importar médicos, não seria melhor cuidar devidamente do que temos por aí? Sozinho, o desprestigiado Revalida não é nada.
Fonte: Correio Braziliense, 10/08/2013
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