Tive o privilégio de conviver e trabalhar com Roberto Civita, uma das figuras mais extraordinárias de nosso tempo e um dos ícones da imprensa nacional. Da mesma estatura, em virtudes e defeitos, que Assis Chateubriand, Roberto Marinho, Adolfo Bloch, Mauricio Sirotsky, Ruy Mesquita, entre alguns outros poucos.
Trabalhei anos com Roberto na Associação Nacional de Editores de Revistas, entidade que nasceu sob sua inspiração, e que muito fez e faz pela publicação de revistas no Brasil. Foi um grande privilégio conviver com ele e com a sua obra.
Filho de Victor Civita, a quem conheci no final de sua vida, Roberto não tinha o charme do pai. Mas também era um sedutor. Porém, não era fácil gostar dele de cara. Era meio metido, falava com sotaque e sempre colocava uma expressão em inglês quando conversava em português e uma expressão em português quando falava em inglês.
Para piorar, sabia que era um gênio e não escondia isso de ninguém. Debater qualquer assunto com ele era difícil, tamanho o volume de informações que detinha. Possuía uma curiosidade imensa. Queria saber de tudo e sempre pedia que se cortasse o “bullshit” e se abordasse o centro da questão.
Dada a sua insistência, a revista “Veja” sobreviveu a dezenas de tentativas de fechamento. Seu pai achava que ela não ia deslanchar e que estava dando prejuízo. Ele não desistiu e conseguiu transformá-la na maior revista do país e em uma das mais importantes do mundo.
Um dos raros liberais de verdade no país, Roberto Civita construiu um negócio que dependia pouco do governo – ainda que as verbas publicitárias oficiais continuassem a fluir para as suas revistas, mesmo quando a linha editorial era agressiva. Mas, a rigor, não precisava do governo para crescer.
Na Constituinte se passou um episódio que bem ilustra a personalidade de Roberto. Debatia-se na subcomissão temática das Comunicações o modelo que o Brasil adotaria. Um deputado que votaria a favor das propostas mais liberais ganhou uma rádio de presente. Mesmo sob o risco de perder seu voto, Roberto mandou noticiar o fato.
Nos vários episódios a que assisti, teria sido mais conveniente ser conivente com os poderosos e fazer o seu grupo crescer à custa de privilégios. Bastava mandar domesticar a revista “Veja”. Não o fez. No final da vida, e considerando a importância e o incômodo que ela causou e causa a muitos, Roberto colecionou inúmeros inimigos. Mas nunca deixou de ser coerente com a missão que estabeleceu para si. E, além de tudo, soube, como poucos, conciliar o papel de jornalista com o de empreendedor, já que multiplicou o que herdou do pai.
Acima de tudo, mesmo tendo nascido na Itália, foi um grande brasileiro e defensor de valores que acreditava mesmo contra eventuais interesses empresariais. Roberto sempre colocou o dever de informar como a sua missão. Seu papel no fortalecimento da frágil e nascente democracia é uma obra de valor inestimável para os brasileiros de hoje e de amanhã.
Fonte: O Globo, 28/05/2013
Uma pena que ele tenha nos deixado, num momento em que os brasileiros tanto precisam se espelhar em Homens de fibra.