O caso do Ministério dos Transportes estourou como uma bomba, já pelas pessoas envolvidas, já pela gravidade dos fatos mencionados. Em consequência, o chefe do gabinete do ministro da pasta, um de seus assessores, o diretor-geral do Dnit, e o diretor-presidente da Valec Engenharia, salvo engano, foram afastados de suas funções no ministério pela senhora presidente da República; ao mesmo tempo, ela declarou que o ministro da pasta gozava de sua inteira confiança; não obstante, um ou dois dias depois, também o ministro se demitiu ou foi demitido, até porque seria difícil manter o chefe quando os auxiliares mais graduados são afastados de seus postos. Contudo, quem sou eu para opinar sobre o que se passa nos espaços siderais do Planalto e adjacências.
Depois disso, uma das autoridades afastadas prestou depoimento no Senado, depoimento que era aguardado com apreensões, entretanto, dizem ter sido ameno, ainda que com ares de potência para potência. A partir daí, não sei como terminará a novela.
Com esta observação, partindo dos fatos conhecidos, passo a algumas reflexões acerca da curiosa situação. Pela Constituição, o presidente da República nomeia e demite os ministros de Estado, e muitos, se não a maior parte dos funcionários, precipuamente os de mais alta hierarquia. Agora, ao que parece, esse poder presidencial está sendo questionado ou começa a ser.
O que me parece relevante, embora não tenha sido até agora, é que o partido da presidente da República não chega a ocupar cem cadeiras, o que importa em dizer que não tem maioria na Câmara baixa, que é de 513 membros, quando normalmente o governo precisa de maioria. Este é um dado, no entanto, possível no regime presidencialista, mas como os fatos ignoram as ficções. A necessidade e os interesses começam a deformar o resultado das urnas no sentido de obter deste ou daquele jeito a maioria não alcançada, para isto, pagando um preço ou sucedâneo, o que importa é contraprestação.
Não que a coligação ou o acordo me pareça irregular ou censurável, desde que, como as praxes ilustram, o pacto tenha como base um programa de ação governamental; outras vezes, a minoria sem participar do governo, lhe assegura, caso a caso, os meios de que necessita. São instrumentos que a experiência tem consagrado. Compreende-se que as coligações se formam em situações especiais. Dou apenas um exemplo, durante a guerra, o líder trabalhista Attlee esteve ao lado do conservador Churchill, este como primeiro-ministro, e só finda a guerra se desfez a companhia. Entre nós, exatamente depois da fragmentação partidária e de sua reconhecida descaracterização, as coligações adquiriram nova feição, e faz lembrar algo semelhante à compra e venda ou à locação.
O caso atual é ilustrativo. As denúncias que envolviam o ministério vindas de várias fontes, cada uma com responsabilidades e autoridade nada desprezíveis – “Veja”, “O Estado de S. Paulo”, “Folha de S. Paulo”, “O Globo” –, parecem ter atingido só o Ministério dos Transportes e ninguém mais, e o próprio ministro, pelo menos de início, teria permanecido incólume aos desconfortantes efeitos delas resultantes. Por sua vez, o partido que foi o arrematante do ministério murmurou queixas quanto ao ato presidencial, mas adiantou que continuaria no governo a ponto de manifestar-se contra o ministro escolhido por não ser do seu agrado.
Aqui chegamos a um ponto crucial. Parece que o ministério foi objeto de uma disposição inter vivos que compromete a sua unidade imprescindível, o que evidencia a diferença do que vem ocorrendo. Enquanto isso, o que me parece particularmente grave é que a sociedade não disponha de instrumentos hábeis para manifestar-se de maneira efetiva e eficaz, aliás, os próprios mecanismos constitucionais não chegam a atuar, além disso, a tempestade nos Transportes foi gerada não só por uma revista e três jornais… Aliás, a propósito da passividade social, a memória me lembra um dirigente político, portador de nada desprezível apoio popular, do qual se dizia “rouba mas faz”. Como se vê, o problema não é novo.
Fonte: Zero Hora, 18/07/2011
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