O “Estado de S. Paulo” é o maior, mas não o mais antigo jornal do país, embora o seja de São Paulo, pois antes dele entraram a circular e continuam circulando pelo menos duas folhas, o “Diário de Pernambuco” e o “Jornal do Comércio”, do Rio de Janeiro. Estas lembranças me vieram à mente acerca do falecimento de Ruy Mesquita, que, desde a morte de seu irmão, Júlio de Mesquita Neto, passou a ser a primeira figura do grande jornal, ele que fora o fundador e diretor do Jornal da Tarde. A morte do jornalista ensejou fosse apreciada sua dimensão entre os profissionais da imprensa, bem como a posição que lhe cabia nos planos nacional e internacional. E foram de louvor, sem discrepância, as apreciações acerca de sua dedicação ao mundo do jornal.
Como uma ideia puxa a outra, dei-me conta de que o “Estadão”, como veio a ser popularmente denominado, converteu-se em uma espécie de escola de jornalismo e, entre outras notas distintivas, primou em guardar acentuada homogeneidade. Esta me parece derivar da circunstância de, em mais de século, ter sido confiada a uma família de jornalistas. Sem contar os anos iniciais da propaganda, ao tempo da Província de S. Paulo, a partir da República esteve sob a direção sucessiva de Júlio de Mesquita, Júlio de Mesquita Filho, Francisco de Mesquita, Júlio de Mesquita Neto e Ruy Mesquita, à exceção do período em que o jornal, confiscado, exilados seus diretores, perdeu seu caráter próprio. A permanência da família, sem solução de continuidade, não impediu que Nestor Pestana e Plínio Barreto, jurista, homem público e jornalista, fossem seus diretores.
Em outras palavras, de 1891 a 2013 o jornal viveu sob a direção de três gerações de uma família, ligadas não só por seus laços, mas também por vínculos culturais em seu mais amplo sentido, de modo que o pecúlio imaterial que se foi formando, a despeito das imensas transformações do mundo, fosse se enriquecendo num prolongamento orgânico das linhas iniciais do empreendimento; a fidelidade aos padrões originários assegurou a homogeneidade nascente perpetuada até hoje.
Se é exato que a empresa jornalística necessita de estrutura em tudo adequada às suas necessidades, de modo a zelar por sua funcionalidade material, ela não exclui a singularidade peculiar, pois, se o jornal não dispensa imprescindível saúde financeira, seu escopo não será exclusivo ou mesmo predominantemente econômico, pois não poderá desligar-se de suas preocupações específicas, marcadamente imateriais.
Por estas ou aquelas razões, o certo é que o fenômeno “Estado” aparece como uma eminência no meio em que nasceu e cresceu até tornar-se entidade nacional de expressão internacional, e Ruy Mesquita foi a derradeira personalidade da terceira geração da família Mesquita, que se confunde com a empresa centenária a partir de 1891 e, dadas suas qualidades, herdadas e adquiridas, veio a imprimir significativo contributo à antiga instituição, aditando e enriquecendo o singular patrimônio acumulado em mais de século, com naturalidade e descortino, segurança e firmeza.
Na apreciação dos que o conheceram no dia a dia de alguns anos, que não foram poucos, ele se afirmou sem alarde e quase sem esforço à altura de seus antecessores. A mim parece que o jornalismo brasileiro perde em Ruy Mesquita uma de suas expressões mais completas e harmoniosas.
Embora não passe de velharia, ainda existe entre nós quem defenda a “regulamentação” da imprensa, que, em verdade, não passa de pseudônimo do domínio sobre a livre informação. Na simpática República Argentina, por exemplo, seu governo se afoita em hostilizar frontalmente o seu maior complexo noticioso, repetindo a selvagem agressão de outro governo contra dois ornamentos da nação irmã, La Nación e La Prensa. É a razão por que foram oportunas as homenagens ao jornalista falecido por sua fidelidade à imprensa sem peias, internacionalmente reconhecido.
Fonte: Zero Hora, 27/05/2013
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