Depois de um julgamento que se estendeu por dois dias, o Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou nesta quinta-feira, por 7 votos a 4, a constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa. Aprovada em 2010, a lei proíbe a candidatura de políticos condenados por órgãos colegiados ou que tenham renunciado a mandato para escapar de processo por quebra de decoro. As regras são válidas para as eleições deste ano e deverão ter forte impacto sobre a formação dos novos quadros da administração pública.
Na sessão desta quinta, a fase final do julgamento, os ministros Ricardo Lewandowski, Ayres Britto e Marco Aurélio votaram pela constitucionalidade da lei. Com isso, chegou a sete o número de ministros favoráveis a proibição de candidaturas de políticos de ficha suja. Os ministros Joaquim Barbosa, Luiz Fux, Carmen Lúcia e Rosa Weber já tinham se manifestado a favor das novas regras criadas a partir de uma iniciativa popular.
O ministro Celso de Mello, sétimo a proferir seu voto, defendeu a inconstitucionalidade do principal ponto da lei. Segundo ele, a lei não pode atingir políticos que, embora condenados em órgãos colegiados, podem ainda recorrer da decisão. Destacou ainda que ela não pode retroagir a fatos anteriores.
– Não admito que uma decisão ainda recorrível possa gerar inelegibilidade.
Ele também criticou o Congresso, que em 2010 aprovou a lei a partir de um projeto de iniciativa popular.
– O Congresso Nacional, em matéria de sua competência, pode muito. E não há dúvida quanto a isso. Mas eles não podem tudo, pois acima do poder que se reconhece ao Legislativo, situa-se a autoridade incontrastável da Constituição da República.
Porém, o ministro reconheceu parte da lei como constitucional. Para Mello, os candidatos que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado da Justiça Eleitoral, podem ficar inelegíveis pelo prazo de oito anos a contar da eleição.
Após o julgamento, em conversa com jornalistas, o ministro Celso de Mello, voto vencido, destacou que a lei passou pelo Supremo sem nenhuma alteração.
– O fato é que a lei, em sua integralidade subsiste, sem qualquer modificação introduzida pelo Supremo Tribunal Federal (STF). É portanto plenamente aplicável às eleições agora de 2012.
O presidente da Corte, Cezar Peluso, terminou o julgamento votando pela inconstitucionalidade da Lei da Ficha Limpa. Segundo ele, não é possível tornar inelegível alguém condenado em órgão colegiado que ainda pode recorrer da decisão.
– O que se quer preservar é a condição do réu antes do julgamento para que ele não seja tratado como era antes da Revolução Francesa.
Ministra Carmen Lúcia mudou parte do voto
Mais cedo, a ministra Carmen Lúcia chegou a mudar parte do seu voto, proferido na quarta-feira. Ela, que tinha concordado com mudanças feitas pelo relator, Luiz Fux, em torno do tempo de inelegibilidade, agora é a favor da total constitucionalidade da lei. Além de Carmen Lúcia, outros cinco ministros discordam de Fux nesse ponto: Marco Aurélio Mello, Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski, Rosa Weber e Carlos Ayres Britto. Ou seja, a maioria dos onze ministros é contra o relator nessa questão.
Fux, apesar de favorável à constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa, quer reduzir o tempo em que uma pessoa pode ficar inelegível quando condenada. Pela lei, esse tempo é de oito anos, contados após o cumprimento da pena imposta pela Justiça. Fux propôs que seja debitado dos oito anos o tempo que o processo leva entre a condenação e o julgamento do último recurso na Justiça.
Na Lei da Ficha Limpa, a perda dos direitos políticos é contada a partir da condenação, ainda que seja possível recorrer da sentença. Na Lei de Improbidade Administrativa, por exemplo, a inelegibilidade ocorre após o julgamento final, quando não há mais possibilidade de recurso. Se alguém for enquadrado nas duas leis, pode ficar inelegível por mais de 30 anos, dependendo do tempo que a Justiça leve para julgar todos os recursos propostos pelo réu.
O ministro ponderou que, se essa regra for mantida, será uma forma de condenar pessoas a ficar por décadas fora da vida pública, o que seria uma forma de cassação de direitos políticos – uma pena proibida pela Constituição Federal.
Na Lei da Ficha Limpa, a perda dos direitos políticos é contada a partir da condenação, ainda que seja possível recorrer da sentença. Na Lei de Improbidade Administrativa, por exemplo, a inelegibilidade ocorre após o julgamento final, quando não há mais possibilidade de recurso. Se alguém for enquadrado nas duas leis, pode ficar inelegível por mais de 30 anos, dependendo do tempo que a Justiça leve para julgar todos os recursos propostos pelo réu.
O ministro ponderou que, se essa regra for mantida, será uma forma de condenar pessoas a ficar por décadas fora da vida pública, o que seria uma forma de cassação de direitos políticos – uma pena proibida pela Constituição Federal.
Gilmar Mendes considerou a lei inconstitucional e avaliou que ela fere o princípio da presunção da inocência. Como será possível que um candidato, a partir da validação da lei, seja proibido de se candidatar sem uma condenação definitiva pela Justiça, Mendes argumenta que a Constituição será violada:
– A presunção de inocência, embora oriunda da esfera criminal, irradia-se sempre contra o abuso a que se imponha ao réu. Há restrição de direitos sem condenações transitadas em julgado – defendeu Mendes.
O ministro também atacou a possível inelegibilidade prevista na lei em função de decisão de conselhos profissionais:
– Existem dezenas e centenas de conselhos profissionais no Brasil. Admitir-se a inelegibilidade de um indivíduo por decisões desse conselhos me parece inaceitável. Existe uma infinidade de estatutos. Ao aceitar essa inelegibilidade, esta corte estará a chancelar a insegurança jurídica e a disputa de facções políticas dentro desses conselhos, que não tem autoridade constitucional para cercear direitos fundamentais do cidadão.
Ayres Britto votou pela total constitucionalidade da lei, discordando da alteração proposta pelo relator Luiz Fux em relação ao tempo de inelegibilidade. Em novembro, antes de o julgamento ser interrompido por um pedido de vista de Dias Toffoli, Fux defendeu a constitucionalidade da lei, mas propôs uma pequena mudança para reduzir o tempo que uma pessoa pode ficar inelegível quando condenada. Pela Lei da Ficha Limpa, esse tempo é de oito anos, contados após o cumprimento da pena imposta pela Justiça. O ministro sugeriu que seja debitado dos oito anos o tempo que o processo leva entre a condenação e o julgamento do último recurso na Justiça.
O ministro Ayres Britto citou os princípios da moralidade e da probidade na vida pública e reproduziu frase do ex-presidente da Câmara Ulysses Guimarães para defender a Lei da Ficha Limpa. Segundo o ministro, a tradição brasileira de respeito ao erário é péssima.
– A corrupção é o cupim da República – disse Ayres Britto.
Além de Ayres Britto, já votaram a favor da norma Joaquim Barbosa, Luiz Fux, Rosa Maria Weber, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski. Até o momento, apenas Dias Toffoli votou contra.
Em tentativas anteriores de votar a Lei da Ficha Limpa, o julgamento havia terminado empatado porque faltava a nomeação do 11º ministro, vaga deixada por Ellen Gracie. Rosa Maria Weber desempatou a favor da constitucionalidade da norma.
Lewandowski foi o primeiro a votar nesta quinta-feira
Lewandowski, primeiro a votar nesta quinta-feira, acompanhou o voto do ministro Joaquim Barbosa e, assim como Ayres Britto, discordou da alteração proposta pelo relator Luiz Fux em relação ao tempo de inelegibilidade.
– Todas as penas foram feitas de forma consciente, absolutamente dosadas pela racionalidade pelo Congresso Nacional após profunda discussão. Tomo a liberdade de aderir integralmente ao voto do ministro Joaquim Barbosa – disse Lewandowski.
Celso de Mello, que ainda não votou, mas já se manifestou várias vezes contra a lei, votou a atacar duramente o texto aprovado pelo Congresso Nacional. Segundo ele, a lei fere o princípio constitucional da presunção da inocência. O ministro criticou especialmente a inclusão de decisões de tribunais de júri como uma das possibilidades de reprovação de registro de candidatura. O ministro argumenta que se trata de um órgão de um primeira instância. O texto da Lei da Ficha Limpa proíbe políticos condenados por órgãos colegiados (segunda instância) de se candidatar.
– A questão é esta: pode o Congresso Nacional, mediante uma ponderação de valores, submeter um direito fundamental, que é tão claramente anunciado no texto constitucional? – questionou Celso de Mello.
Presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Lewandowski já havia defendido a validade da lei em ocasiões anteriores, o que foi lembrado no início de seu pronunciamento nesta quinta-feira.
– A minha posição é sobejadamente conhecida.
Nesta quinta-feira, ele voltou a destacar que a lei passou por várias etapas até ser aprovada. Nasceu de um projeto de lei de iniciativa popular, foi aprovada pela Câmara e Senado e sancionada pela Presidência da República sem vetos.
– Estamos diante de um diploma legal que conta com o apoio expresso, explícito dos representantes da soberania nacional.
Na quarta-feira, Carmen Lúcia acompanhou o relator Luiz Fux, enquanto Rosa Weber – assim como já havia feito Joaquim Barbosa – votou pela total constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa.
Fonte: “O Globo”
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