É impossível contratar seguros para a maior parte dos riscos decorrentes de catástrofes naturais; a única forma de fazer frente a eles é a atuação do Poder Público
No fim de 2010, a Associação Brasileira de Ecologia, de Prevenção à Poluição e de Defesa Civil (Abeppolar) realizou, em conjunto com a Escola Politécnica da USP, o IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas), o Instituto de Engenharia e organismos oficiais do Sistema Nacional De Defesa Civil, o “Quarto Encontro Nacional de Mudanças Climáticas e Defesa Civil”. A razão de sua realização não foi outra que não a mesma das três versões anteriores: a certeza de que as mudanças climáticas já aconteceram e que cobrarão um alto preço da sociedade brasileira.
Menos de 45 dias depois, o drama se fez brutalmente real. Primeiro em São Paulo, com a região metropolitana assolada por tempestades, depois no Rio de Janeiro, com a região serrana devastada pela maior tragédia da história do Estado. Para completar, cidades mineiras também foram atingidas.
Além delas, outras áreas, principalmente no Sudeste, sentiram a força das tempestades e pagaram um alto preço pela falta de planejamento urbano e pela falta de planos emergenciais capazes de minimizar o drama de milhares de pessoas.
Enquanto o tema segurança da população for tratado como discurso de desculpa pela ocorrência de mais uma tragédia, no mesmo local ou ao lado dele, onde aconteceu a mesma coisa no ano passado, não há muito a ser feito. A Abeppolar e seus parceiros continuarão pregando em vão, sem sensibilizar as autoridades encarregadas do assunto, nos três níveis de governo.
Só na região da Represa de Guarapiranga, um dos mananciais de abastecimento de água da cidade de São Paulo, vive uma população ocupando áreas ilegais de perto de um milhão de habitantes. Lá, os maiores riscos são os de doença para a população paulistana, que cada vez mais vê as águas, que deveriam ser limpas, serem poluídas por esgoto sem tratamento, jogado nela sem qualquer preocupação.
É verdade que os moradores de algumas áreas também correm riscos sérios de adquirir doenças em função do alagamento das zonas em que moram. Mas há regiões onde os riscos são de morte imediata, em função do deslizamento de terra pelas encostas dos morros tomados de assalto, sem qualquer tipo de reação do governo, por pessoas que não têm outro lugar para morar.
E há também os riscos de mortes causadas diretamente pelas chuvas, escorrendo pelas ruas como verdadeiros rios e arrastando quem tiver a falta de juízo de enfrentar a enxurrada.
A Munich Re, a maior resseguradora do mundo, informou recentemente estimar que, ao longo do ano de 2010, as catástrofes naturais que atingiram o planeta causaram prejuízos de US$ 130 bilhões, dos quais US$ 37 bilhões estariam segurados.
Segundo a resseguradora, a maioria dos seguros foi contratada nos países desenvolvidos, o que confirma a antiga verdade de as populações mais ricas se protegerem melhor do que as mais pobres, o que, em caso de sinistros, faz com que as mais pobres fiquem mais pobres ainda, enquanto as mais ricas transferem para as seguradoras a reposição de uma parte importante de suas perdas.
Mas mesmo os países mais ricos não conseguem contratar seguros para a maior parte dos riscos decorrentes das catástrofes naturais. Por suas características e potencial de danos, esses riscos são impossíveis de serem segurados. A única forma de fazer frente a eles é a atuação do Poder Público. Atuação que deve se dar, em primeiro lugar, com a adoção das medidas de proteção necessárias a evitar danos para a sociedade. E a melhor forma de fazer isso é impedir a ocupação de áreas sujeitas a eles.
Se, mesmo assim, pelas mais diversas razões, um determinado evento causar danos, deve haver um plano de emergência, destinado a socorrer o mais rapidamente possível as vítimas da tragédia.
Lamentavelmente, o Brasil não tem nenhuma das duas políticas entre as prioridades nacionais. Para completar o quadro, esses eventos têm pouco impacto sobre o resultado das seguradoras porque apenas um número muito reduzido de pessoas contrata esses tipos de apólices.
Enquanto este quadro não mudar, além das tragédias, as perdas financeiras decorrentes delas também cobrarão seu preço.
Fonte: O Estado de S. Paulo
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