Em um mundo mais urbano que rural, uma questão se coloca: qual a cidade ideal? Não se trata de tamanho ou função característica – industrial, turística, portuária etc -, e sim uma cidade que combine o desenvolvimento econômico com critérios de sustentabilidade ambiental, isto é, aquilo que se chama de qualidade de vida. Mas, para além da retórica fácil, isto é de difícil equalização.
Uma dimensão nem sempre lembrada do lócus urbano é seu espaço interno, heterogêneo por definição. As oportunidades de trabalho, lazer e fluidez do tráfego, não se distribuem homogeneamente sobre o espaço, pois as cidades se fundam em um princípio da troca, que por sua vez deriva das diversas produções que são para ali transportadas. Portanto, se a cidade tem a desigualdade espacial como um de seus princípios estruturantes fundamentais, como erigir sob este solo o conceito de sustentabilidade ambiental?
Uma importante especialidade que pode ajudar nesta questão é na verdade uma “espacialidade”, a ecologia urbana. O equacionamento das dificuldades que refletem problemas como solos contaminados, rios poluídos e plantas industriais desocupadas envolvem custos de recuperação e mitigação. Por outro lado, a adoção de formas sustentáveis de desenvolvimento urbano é bem mais complexa do que a simples adoção das chamadas “tecnologias limpas”, técnicas de reciclagem e minimização de impactos. Embora as técnicas possam ser aplicadas por diferentes governos, com as mais diversas agendas políticas, o planejamento urbano não se faz isento de perspectivas de mudanças sociais e políticas.
Para se entender claramente isto pense em um simples objetivo como impedir catástrofes ou a lenta degeneração ambiental. Seja o deslizamento abrupto de encostas ocupadas irregularmente, seja o aquecimento local dado pela formação de “ilhas de calor”, não há como adotar uma posição sem considerar os dissensos teóricos ou divergências programáticas político-ideológicas. Em suma: a simples explanação dos problemas e situações ambientais não pode, em si só, expor as normativas do desenvolvimento futuro das sociedades se não houver a inclusão de um debate democrático com a sociedade que aponte compromissos mútuos entre diversos setores econômicos e bairros com vistas à adoção de um zoneamento urbano.
O Estatuto da Cidade – Lei 10.257/2001 – saudado como apanágio urbanístico brasileiro – vem de uma tradição de planejamento local e aberto, isto é, baseado na comunidade, vilarejo, cidade e com participação social através de referendos ou grupos de trabalho de composição mista (governos, empresários e associações civis). Esta lei só não é vantajosa para socialistas que enxergam no planejamento urbano uma forma de inocular sua agenda estatista e totalizante, pois seu modelo já se mostrou falido frente à dinâmica e caos produzidos na grande cidade. Analogamente, o preconceito liberal-econômico contra a prática do planejamento também demanda por uma visão teórico-política mais atual e flexível. Seria bom, no entanto, lembrar o pragmatismo que marcou o desenvolvimento dos países como algo que partiu do próprio desenvolvimento urbano. E hoje, este desenvolvimento urbano reflete uma ordem internacional, democrática e calcada no dissenso político e pluralidade de sociedades multiculturais.
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