Tributos correspondem à indispensável concessão que a liberdade faz à igualdade. Sendo suficientemente onerosos para as pessoas e para as empresas, não necessitam, contudo, recrutar inconvenientes adicionais, a exemplo da escolha de soluções complexas ou inconsistentes. Às vezes, entretanto, parece que há um propósito deliberado de não desperdiçar a oportunidade de fazer parvoíces.
Duas questões assumiram particular relevo na atual agenda tributária: a disputa pelas receitas decorrentes dos royalties do petróleo e gás e a “simplificação” do PIS e da Cofins.
A disputa na distribuição dos royalties é apenas um episódio da cada vez mais intensa guerra federativa, que esgarça a solidariedade nacional sob o olhar complacente da União.
O fantasioso (por ora) eldorado do pré-sal estimulou a cobiça dos Estados e municípios que não foram qualificados como “confrontantes” em relação à extração de petróleo e gás na plataforma continental, abrindo espaço para um conflito que está longe de ser solucionado.
Essa disputa encerra algumas verdades: 1) os critérios para estabelecer a condição de “confrontantes” são tecnicamente questionáveis, inclusive judicialmente; 2) a Constituição remete à lei a fixação do porcentual de participação dos “confrontantes” nas receitas da exploração de petróleo e gás; 3) é pueril a pretensão de distinguir essa participação, em função dos contratos celebrados e a celebrar, tendo em vista que eles dizem respeito a uma relação entre a União e as empresas responsáveis pela exploração, em nada afetando a distribuição das decorrentes receitas públicas; 4) a partilha das receitas é extremamente concentrada em pouquíssimos Estados e municípios; 5) os recursos entregues aos entes federativos, por força de previsão constitucional, não podem ser confundidos com os transferidos em virtude de norma infraconstitucional; 6) a soma dos recursos a serem destinados aos órgãos públicos e entes federativos, em respeito à aritmética elementar, não pode ser maior que 100% (no projeto aprovado no Congresso, os porcentuais totalizam 101% do total!); e 7) independentemente de tudo, certo ou errado, essa distribuição gerou estruturas de despesas e compromissos financeiros nos entes “confrontantes” que não podem, de uma hora para outra, simplesmente ser cancelados, por afrontar os fatos.
Quais são os erros no encaminhamento do problema? Nenhuma questão federativa tem solução isolada. Precisa ser examinada no contexto de outras questões, sob a liderança da União.
A distribuição dos royalties deveria articular-se, ao menos, com a nova partilha do Fundo de Participação dos Estados (FPE), a guerra fiscal do ICMS e a renegociação das dívidas dos Estados e municípios com a União, possibilitando compensações cruzadas, cuja implantação deveria ser gradual.
É equivocado vincular a aplicação dos recursos à educação. Nesse setor, os gastos são essencialmente de custeio, em boa medida incompressíveis, e não podem, por isso mesmo, ficar condicionados a receitas sensíveis a flutuações nos preços dos hidrocarbonetos e à imprevisibilidade da exploração. Receio que seja apenas um estratagema para fugir do rolo compressor congressual que, de forma irracional, pretende vincular recursos orçamentários à educação, em montante correspondente a 10% do PIB, como panaceia para resolver os crônicos problemas do setor.
PIS e Cofins. Já os argumentos em favor da “simplificação” do PIS e da Cofins, veiculados na imprensa, ainda que em caráter extraoficial, são totalmente inconsistentes.
Comecemos pela anunciada “fusão” daquelas contribuições. Do ponto de vista normativo, inexistem diferenças relevantes nas respectivas legislações. Por outro lado, é demasiado simplório rotular como simplificação o propósito de instituir um único documento de arrecadação.
Há os que se queixam de indefinição no conceito de insumos, para fins de apuração de direitos creditórios no regime não cumulativo. A queixa é procedente e sua solução não demanda mais que um par de horas para ser concebida e traduzida em norma interpretativa, de caráter legal ou infralegal. Falta apenas disposição para resolver o problema.
É falso atribuir-se ao Simples e aos regimes cumulativos ou de tributação concentrada os problemas associados ao reconhecimento de direitos creditórios das grandes empresas. Esses regimes nada têm que ver com o problema. Os créditos, no caso, dependem apenas de sua qualificação como tal e do regime tributário do tomador.
A complexidade do PIS e da Cofins decorre, de fato, dos regimes especiais criados em profusão, com propósitos extrafiscais.
Percebe-se, ao fim e ao cabo, que a dita “simplificação” é algo teatral com o objetivo dissimulado de aumentar a carga tributária dos prestadores de serviço, de pequeno e de médio portes, contra os quais há um renitente preconceito ou ressentimento pelo insucesso da Medida Provisória n.º 232. De mais a mais, consegue-se a proeza de aumentar a complexidade. Parafraseando Polônio, em Hamlet, é preciso pôr algum método na loucura.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 03/12/2012
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