“Uma coisa é falar de morrer e outra coisa é morrer”, diz o ditado italiano. É apontado com frequência que o Congresso Nacional é o representante do povo brasileiro. Não é assim percebido por todos. Nas manifestações de rua, sua legitimidade foi questionada a ponto de trazer para primeiro plano a reforma política. A presidente Dilma Rousseff propôs um plebiscito nesse sentido.
A reação do Congresso Nacional foi imediata e contrária. Mais de um legislador foi taxativo afirmando que os representantes do povo devem decidir pelo povo (!). A bem da verdade, estão analisando o tema há quase duas décadas e debatendo propostas como o financiamento público de campanhas (dinheiro dos contribuintes), o fim da lista aberta nas eleições (voto indireto para o Legislativo) e a redução do número de partidos (menos oposição), entre outras.
É discutível se as medidas em pauta vão melhorar sua legitimidade. Uma coisa é certa, muitos questionam até que ponto o Congresso Nacional traduz com fidelidade os anseios da população. Todavia, há uma medida simples que pode corrigir algumas das distorções. É a abolição da reeleição para cargos legislativos. São vários os motivos.
O primeiro é estritamente competitivo. De um lado, os atuais eleitos têm dois canais de televisão aberta exclusivos, aparecem de maneira gratuita no horário nobre das grandes redes de televisão em propaganda partidária e têm verbas, assessores e secretárias para autopromover-se; e, do outro lado, os candidatos pela primeira vez, que não têm nada disso. Obviamente, é uma competição desigual.
Na divisão do espaço na televisão durante as campanhas eleitorais é a mesma lógica: os que têm mais ganham mais tempo para aparecer. Mais um incentivo para quem está ficar e que dificulta a renovação do Legislativo. Há deputados e senadores que se perpetuam no cargo, estão no Congresso Nacional há décadas. Pode ser que seja porque são especialmente dotados para a função legislativa. Não obstante, sob o ponto de vista estritamente concorrencial, a competição, entre os que buscam a reeleição e os que tentam pela primeira vez, não é “democrática”.
Há mais inconsistências na “democracia brasileira”. O loteamento dos ministérios para ter apoio da bancada e a liberação de emendas para a aprovação de projetos mostram um lado do Congresso que não combina com a autointitulação de representante do povo. Parece mais que objetivam apoio político nas bases eleitorais para garantir a próxima eleição do que fazer um Brasil melhor.
Em parte isso acontece porque os legisladores têm um incentivo (perverso) a adotar medidas populistas. Os frutos de um aumento de gastos são imediatos e aumentam a popularidade, facilitando sua reeleição. Por outro lado, os custos, como menos crescimento econômico e inflação em alta, só aparecem num segundo momento, após o pleito.
Há inúmeras evidências de postergação de reformas importantes, como a previdenciária, a trabalhista e a tributária, que estão no Congresso há décadas. Nestes casos os legisladores não querem arcar com custos (políticos atuais) cujos benefícios serão usufruídos no futuro. É oportuno destacar que uma das maiores barreiras para desenvolvimento sustentado é sua postergação. Com a proibição da reeleição do Legislativo, aumentam os incentivos para que o Congresso Nacional se concentre mais no futuro e menos no próximo pleito.
Um destaque é que esta análise vale apenas para o Congresso Nacional, e não para o Executivo nos três níveis, em que há vantagens de continuidade de governo que devem ser ponderadas em razão dos custos de transição, obviamente, dependendo do caso, algo que não ocorre no Legislativo.
É paradoxal: Brasília foi construída no centro do território para estar aberta a todas as suas influências. Entretanto, está cada vez mais voltada para si mesma, isolada dos anseios da população. Uma renovação sistemática dos representantes de cada Estado pode ter um impacto positivo na representatividade do Legislativo.
Há outro aspecto em que o Congresso Nacional não representa o povo brasileiro: nos custos. Um estudo da Transparência Brasil mostra que o orçamento do Legislativo brasileiro é o triplo do da França e o quádruplo do do Reino Unido – é um dos mais caros do mundo. Já a sua eficiência é passível de reparos. Recentemente, foi noticiado que mais de 3 mil vetos presidenciais estão na fila de espera. Uma ineficiência incompatível com o dinamismo do Brasil.
A estrutura de receitas e gastos do Brasil não reflete as demandas da sociedade. A burocracia fiscal brasileira é a mais demorada do mundo e o quadro institucional é obsoleto. Apesar das vantagens competitivas, o País está patinando, crescendo aquém de seu potencial. Há vícios que vêm desde o Império e que devem ser corrigidos. Urge sangue novo.
O Brasil está vivendo um tempo revolucionário, longe de Brasília. Tem várias frentes: a que está em destaque é a das avenidas, mas há outras, como na produção de alimentos, na prestação de serviços, nas corridas de rua, na tecnologia e na educação. Não há por que deixar a capital da República de lado. Nada melhor do que injetar parlamentares com novas ideias e ideais.
Uma emenda proibindo a reeleição de congressistas não tem nenhuma chance de ser aprovada no Congresso Nacional. Mas pode ser implementada na prática sem plebiscito, reforma política, referendo ou constituinte. Basta que todos votem assim em outubro do ano que vem, escolhendo um candidato que quer melhorar o Brasil, em vez de num político profissional que se autointitula representante do povo. Há mais a ser feito, mas essa é uma contribuição que todos podem dar. Simples assim.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 01/07/2013
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