Não tem jeito. A biruta virou contra o Brasil. Os ventos favoráveis dos anos 2000, pela liquidez abundante e forte crescimento da China, demandando nossas commodities, não existem mais. São agora contrários.
Uma série de decisões equivocadas de política econômica – inflação no teto da meta, câmbio depreciado, juro rumo a dois dígitos, política fiscal ativa – não neutra, como acredita o Banco Central (Bacen) -, piora das contas externas, atraso nos investimentos de infraestrutura, concessões paradas, dentre outros fatores – ofuscam o Brasil aos olhos do mundo. Isto ficou bem claro nas revisões do FMI [Fundo Monetário Internacional] sobre a economia global, na semana passada, com o Brasil na lanterna do crescimento neste ano e no próximo (2,5%) entre os emergentes.
Além disso, na imprensa internacional, o otimismo do passado virou ironia. A capa da revista inglesa “The Economist”, ao falar sobre o Brasil, com o Cristo antes decolando, mudou e agora mostra o nosso monumento maior em parafuso. Acabou a festa. Claro que no passado não estávamos tão bem como julgavam os correspondentes, mas agora muitos consideraram as matérias pessimistas demais. Julguem como quiser.
As agências e o Brasil
Mais recentemente, foram as agências de rating colocando nossas perspectivas em revisão. Primeiro, a Standard & Poor’s em junho, passando de “estável para negativa”, agora a Moody’s de “positiva para estável.” Na primeira, junto com a Fitch, nossa nota ainda está em “grau de investimento” BBB, a dois degraus do “nível especulativo”; na Moody’s, em Baa2. Isso significa que essas agências estão observando o nosso país com lupa, para nos próximos dois anos decidirem se continuaremos na mesma posição ou se seremos rebaixados.
Evolução da dívida bruta
Todos os motivos citados acima justificam essas revisões, com especial atenção para a evolução preocupante da dívida bruta, indicador de solvência usado atualmente. Como sabemos são dois os conceitos de dívida: bruta e líquida. A segunda é obtida subtraindo ativos financeiros da primeira. Nesse caso, o repasse do Tesouro aos bancos públicos, visando maior oferta de crédito na economia, passa a ter impacto considerável sobre a dívida bruta, segundo cálculos de Marcio Garcia, da PUC [Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro], em torno de 9,5 pontos percentuais.
Indicadores recentes indicam que a dívida bruta vem crescendo nos últimos meses, dada a política de crédito fácil adotada pelo governo. Além disto, a dívida líquida do setor público, pelas variadas “contabilidades criativas”, vem se mantendo estável, em torno de 35% do PIB [Produto Interno Bruto], mas perdendo aderência nas avaliações das agências, para as quais o importante para medir o grau de solvência do país é analisar a dívida bruta.
Em agosto, pela apuração do Bacen, a dívida bruta foi a 59,1% do PIB, acima do registrado na média das economias com risco similar (Baa), em torno de 45% segundo a Moody’s. Já pelo conceito do FMI, a dívida bruta foi mais alta, 64,2% do PIB, só menor do que apenas três países emergentes: Egito (85%), Jordânia (84%) e Hungria (80%).
Na tabela, ao fim, observamos que, em 2008, a dívida bruta do Brasil era de 63,5% do PIB e, em 2012, foi a 68,5%. Este ano deve ficar no mesmo patamar, de 65% a 69%. Já para os emergentes, nos anos citados, a dívida, na média, se manteve em torno de 35%. Não devemos comparar a dívida do Brasil com a dos desenvolvidos, pelas realidades e evoluções distintas.
Cenário fiscal
Neste cenário de piora fiscal e de risco de downgrading pelas agências, o governo deve anunciar uma série de medidas. De início, deve esvaziar o papel dos bancos públicos na concessão ao crédito, direcionando-os mais para infraestrutura. Como registro, em agosto passado, os empréstimos dos bancos públicos cresceram 28% contra o mesmo mês do ano passado, enquanto que dos bancos privados responderam com apenas 6% de expansão na mesma base de comparação. Somado a isso, deve começar a vender ativos do BNDESPAR para reduzir os repasses do Tesouro ao banco.
Estudo recente de Nelson Barbosa, ex-secretário da Fazenda, lançou novas luzes sobre essa questão. Ao traçar uma nova estratégia para os próximos anos (de 2015 a 2018), “alternativa keynesiana ao austericídio fiscal atual”, defendeu o abrandamento temporário das metas fiscais diante da deterioração recente, com a criação de um sistema de bandas para o resultado primário, entre 1,5% e 2,5% do PIB.
Em paralelo, pregou a redução do crédito do Tesouro aos bancos, eliminação de juro subsidiado, mudança da forma de atuação do BNDES, defendendo um novo modelo, sem aporte de recursos públicos do Tesouro, indo ao mercado para captar recursos (funding), além de uma nova agenda de reformas – tributária, previdenciária e trabalhista. Não deixa de ser mais uma “luz no fim do túnel”, diante dos descalabros recentes. Desde que não seja um trem, tudo bem.
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