Por Vitor Wilher
Na terça-feira última, 11/06, proferi uma palestra na Universidade Veiga de Almeida sobre o tema “Capitalismo de Estado vs. Economia de Mercado”. A turma era de alunos do MBA em finanças daquela instituição. O público, composto por profissionais bastante heterogêneos, foi receptivo à discussão. Ouvi muitas perguntas sobre o atual estado da política econômica brasileira e, claro, sobre os conceitos que estava passando. Na oportunidade não fiz menção às manifestações que estão tomando conta do país, dado que me mantive restrito à questões econômicas. Aproveito esse espaço, entretanto, para complementar essa apresentação, relacionando-a com esses protestos.
Como já escrevi aqui, minha leitura dessas manifestações é que ela é fruto de um descontentamento que vai além de mais alguns reais por mês na conta privada de transporte público. Como niteroiense, por exemplo, sou assolado todos os dias pelo congestionamento abissal que toma conta da travessia para o Rio em horários de alto movimento. Já assisti a inúmeras manifestações contra o sistema hidroviário, que liga as duas cidades. Já escrevi nos idos de 2008 que os motivos para tal está mais nas falhas de regulamentação do governo do que propriamente no mercado. Ou seja: já pensei muitas vezes sobre esse problema.
Isto posto, insisto que o fruto das manifestações é um descontentamento com o que chamamos de capitalismo de Estado. Ainda que os manifestantes não saibam disso. Ainda que haja partidos políticos envolvidos nos protestos. Ainda que existam movimentos que querem “passe livre”. Ainda que haja uma miopia entre financiamento subsidiado via imposto vis a vis financiamento privado. Definitivamente, não compartilho da ideia de que a solução para todos os problemas brasileiros seja mais – e não menos – Estado. E os brasileiros que usam transporte público todos os dias concordam comigo. Vejamos por quê.
Em uma sociedade regida pelo que chamamos de capitalismo de Estado, o sucesso ou insucesso das empresas está diretamente ligado à proximidade que possui com o governo. No capitalismo de compadres alguns privilegiados, que detém laços com o poder vigente, são autorizados a ofertar bens e serviços (públicos ou mesmo privados), dada a construção de barreiras à entrada para os que não possuem relação com o governo. Nesse tipo de organização social há toda a sorte de subsídios, transferências, incentivos fiscais para os amigos do Rei. Nada, absolutamente nada, para aqueles que não possuem escritórios junto ao palácio do comandante em chefe.
Ora, leitor, se é assim, perceba que mais protecionismo implica em menos oferta de bens e serviços (públicos ou privados), menos qualidade, maiores preços. Menos empresas, por definição, tornam o capitalismo menos eficiente, o que gera tensão, descontentamento e, eventualmente, protestos. Desse modo, não é difícil perceber que em uma sociedade regida pelo capitalismo de Estado, alguns poucos privilegiados viverão muito bem, obrigado, enquanto a imensa maioria viverá muito mal.
Do contrário, em uma sociedade onde as instituições são moldadas para fomentar (e não reprimir) as liberdades dos indivíduos, o que o ocorre? Se há liberdade (qualquer liberdade), leitor, a iniciativa privada pode-se fazer presente, não há barreiras de entrada (a não ser aquelas naturais) à empresas que queiram ofertar bens e serviços em qualquer que seja o mercado. Nesse caso, a competição levará a mais oferta, mais qualidade e menores preços.
Nesse contexto, são as instituições, as “regras do jogo”, que moldam o tipo de sociedade que queremos ter. Apenas essas regras são capazes de definir se teremos monopólios autorizados pelo governo ou competição entre empresas privadas. Apenas a constituição de boas instituições será capaz de tornar o setor privado ator principal do processo de desenvolvimento, fazer com que os direitos de propriedade sejam garantidos e os custos de transação (em oposição aos custos de produção) sejam reduzidos. Sem essas instituições, o que temos é um Estado grande (em oposição a Estado forte), corrupto e, portanto, ineficaz. Sem essas instituições, o tecido social é esgarçado, as tensões entre uma minoria privilegiada e a maioria insatisfeita são expostas.
A partir desses dois conceitos, o que você acha que temos no Brasil, leitor? Temos um capitalismo de Estado ou uma economia de mercado? Não há dúvidas, não é mesmo? Em nosso país, vivemos uma organização onde o Estado é o protagonista econômico, ditando regras, planos e metas para o conjunto da sociedade. E isso, ao contrário do que pode parecer a princípio, não é novo, não é desse governo: nosso país é assim desde Duarte Pacheco (primeiro português a estacionar o barco por aqui)!
Dito isto, abro um parênteses. Eu não me iludo sobre as manifestações que estão ocorrendo no Brasil. Não acho que seja nossa primavera, como ingenuamente pensam alguns. Não acho que seja o povo tomando consciência de sua condição de oprimido. Não acho, honestamente não acho, que isso vá gerar consequências estruturais. Em sua maioria, os protestantes são jovens, estudantes, profissionais liberais. Os trabalhadores estão nos ônibus lotados, sentindo apenas o cheiro (de pimenta) de toda essa euforia. Entretanto, ao contrário do que diz alguns direitistas tolos, também não acho que seja apenas jovens sem causas em busca de afirmação. São jovens sim, mas com causa, posto que a maioria deles usa transporte público e está farta de ser tratada como gado. O protesto é heterogêneo, com muitas motivações, mas expressa algum tipo de basta, algum tipo de revolta para com, adivinhem, esse modelo de capitalismo de Estado, ainda que muitos ali achem (sinceramente, eles acham) que o problema se resolveria com mais (e não menos) Estado.
Em assim sendo, leitor, meu protesto é por mais, e não menos, capitalismo. É por mais economia de mercado e menos capitalismo de Estado. Mais competição e menos licitações fraudulentas. É por um Estado forte em oposição a um Estado grande. Nesse aspecto, minha leitura é que as pessoas que estão protestando, ainda que não percebam, também querem isso: posto que apenas isso trará uma sociedade mais desenvolvida, menos desigual, com maior e melhor oferta de bens e serviços públicos e privados. Qualquer coisa diferente disso é apenas utopia.
Concordo plenamente, Vitor. Também creio que a resposta está no Estado, mas de forma contrária ao que os manifestantes “tarifa zero” anseiam. É no mínimo ingênuo pensar que as reduções das tarifas foram de fato uma vitória. Talvez uma vitória emblemática, política, mas não passa disso. Sabemos que as reduções vão sair de outras fontes e a população ainda continuará a pagar por isso. Mas, se atendo ao texto, como já disse, concordo inteiramente com o fato de que, de uma forma geral, a maior reivindicação deveria ser a favor de instituições mais fortes e, consequentemente, diminuição da corrupção. Eu gostaria de saber até onde você defende a intervenção estatal, privatizações e ofertas de bens públicos através do setor privado. Junto segue uma reportagem sobre privatização de bens públicos http://noticias.uol.com.br/meio-ambiente/ultimas-noticias/redacao/2013/06/21/chineses-estao-privatizando-a-agua-nos-eua-diz-especialista-americano.htm se possível, gostaria de saber sua opinião.
Me considero mais alinhado com a social democracia, apesar disso concordo com muitas das teses apresentadas no texto. Especialmente na questão do Estado ser grande, e não forte. Mas confesso que, com as leituras que fiz até aqui acerca do liberalismo, desconfio um pouco da forma como apenas a livre iniciativa possa trazer essa sociedade menos desigual tão almejada. Confesso que sou especialmente cético quando a flexibilização da legislação trabalhista, frequentemente apontada pelos liberais como uma das condições para o desenvolvimento do país.