O Brasil de hoje lembra os piores momentos dos anos 80. O país não enfrenta a hiperinflação, mas “o quadro fiscal é tão catastrófico quanto aquele”. A conclusão é do economista Fabio Giambiagi, especialista em finanças públicas.
Em entrevista ao Broadcast, serviço em tempo real da “Agência Estado”, Giambiagi considerou que a sessão do Congresso que aprovou, na madrugada de quinta-feira, a PEC 443 (que eleva salários de advogados da União e procuradores dos Estados) “se assemelha a uma espécie de Baile da Ilha Fiscal. Isso não vai dar certo, é uma rota para o desastre”.
Essa “rota”, carregada de aumento de gastos públicos, pode levar o país a perder o grau de investimento, alerta o economista, que está prestes a lançar um novo livro sobre a economia brasileira – “Capitalismo: modo de usar” (Editora Elsevier). A seguir, trechos da entrevista.
O Estado de S. Paulo: O que significa para as finanças públicas e para o ajuste fiscal a derrota do governo na Câmara?
Fabio Giambiagi: O que está acontecendo é muito grave. Eu fiquei assistindo à TV Câmara, com aquele desfile de líderes de partidos da base aliada votando a favor da PEC à qual a Fazenda corretamente se opunha. A impressão que dava é que não há governo. A situação me lembrou os piores momentos dos anos 80. Não temos a hiperinflação daqueles tempos, mas o quadro fiscal é tão catastrófico quanto aquele.
O Estado de S. Paulo: Por que o sr. considera a situação muito preocupante?
Giambiagi: A base aliada quer todos os bônus de ser governo, mas sem ter nenhum ônus. Então, o governo se converte em algo disfuncional, onde inventam-se gastos do nada e não há a menor preocupação com a consistência disso.
O Estado de S. Paulo: Faltou alguém questionar a “consistência” do projeto?
Giambiagi: Estamos com um déficit público (nominal), nos últimos 12 meses, de mais de 8% do PIB. Tenho dito que estamos no regime do que eu chamo de “9 Bis”: a perspectiva para o ano está se aproximando de 9% de inflação e 9% do PIB de déficit. Talvez a inflação seja um pouco maior e o déficit, um pouco menor, mas são números assustadores. Nessa situação, a sessão de ontem do Congresso se assemelha a uma espécie de Baile da Ilha Fiscal. Isso não vai dar certo, é uma rota para o desastre.
O Estado de S. Paulo: Há o risco de os municípios e os Estados serem afetados por essa aprovação, no sentido de terem de aprovar uma equalização salarial?
Giambiagi: Vai depender do que for aprovado. Mas é evidente que, direta ou indiretamente, as carreiras análogas a nível estadual serão as próximas da fila a pedir aumento. Temos um PIB que vai encolher pelo menos 2% e o Congresso aprovando aumentos exorbitantes. Qualquer cidadão na rua percebe que uma coisa não combina com a outra.
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O Estado de S. Paulo: Para alguns, um verdadeiro ajuste fiscal depende de mudanças na Constituição Federal. Qual é a sua avaliação? Por quê?
Giambiagi: A ironia é que essa PEC é justamente uma mudança na Constituição, mas que constitui a rigor uma contrarreforma. Mudanças na Constituição são importantes, mas no momento o mais importante de tudo é que Executivo e Legislativo deixem de ser o que são hoje: duas paralelas que não se encontram nem no infinito. Checks and balances são parte da democracia, mas um país não pode funcionar quando Executivo e Legislativo estão inteiramente divorciados, e toda semana o Congresso aprova uma medida que dinamita as bases da estabilidade.
O Estado de S. Paulo: A sinalização de que o Congresso Nacional está disposto a aprovar as chamadas “bombas fiscais” pode antecipar a perda do grau de investimento?
Giambiagi: Isso me lembra um velho tango argentino, onde há uma estrofe que diz ‘Y vos interpretás / las cosas al revés…‘ A agenda do ajustamento é uma, e o que temos assistido no Parlamento é exatamente o contrário: em vez de um ajuste tributário, a protelação desse ajuste; em vez de ajuste de gastos, mais gastos. É claro que, do jeito que as coisas estão se passando, estamos fazendo todo o possível para acelerar o processo que levaria ao “downgrade” (perda do grau de investimento).
O Estado de S. Paulo: A Lava Jato impõe uma ruptura em uma dinâmica de corrupção que envolve empresas e políticos e que, aparentemente, sustentou o modelo de coalizão política no Brasil. O atual combate ao governo mostra que essa dinâmica foi realmente rompida e que nenhuma outra a substituiu?
Giambiagi: Não concordo totalmente. Uma coisa é dizer que há vícios que são antigos, e de fato são, mas não concordo que a corrupção tenha sido o amálgama que permitiu ao presidente da República governar desde a redemocratização. De qualquer forma, espero, como cidadão, obviamente, que a Lava Jato seja um divisor de águas, sim.
O Estado de S. Paulo: Não seria necessário lembrar ao PSDB, à oposição dentro do PMDB e a todos os outros partidos da oposição que aprovações como a de ontem inviabilizam a gestão de qualquer presidente, não apenas a do PT?
Giambiagi: A equação fiscal é a mesma, qualquer que seja o governante: se o gasto for maior que a receita, será preciso aumentar a dívida pública. Se há partidos que aprovam a “pauta bomba” e no futuro o governo muda de mãos, são eles que terão de honrar o cheque. Quem sofrerá é o bolso do cidadão. Será preciso aumentar o Imposto de Renda, por exemplo, para aumentar o salário do funcionalismo. Eu me pergunto: será que é isso que o cidadão quer?
Fonte: O Estado de S. Paulo, 7/8/2015
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