Há alguns indicadores que podem ser úteis na observação e na análise do mercado habitacional de uma cidade, como a razão entre preço de imóveis e renda, que cobrimos em artigo anterior. Nenhum indicador será perfeito, mas pode servir de orientação em relação à escala de grandeza ou à direção que um determinado mercado imobiliário está indo.
O estudo
Por aqui também discutimos com frequência as relações entre oferta e demanda de moradia na sua acessibilidade, ou seja, como elas podem impactar no custo de moradia em uma cidade. Assim, um indicador interessante é verificar quantas unidades de moradia são construídas por ano em uma determinada cidade em relação ao tamanho de sua população.
Evidentemente, esse exercício também apresenta falhas. Por exemplo, dificilmente se conseguirá um casamento da data do censo populacional com os dados obtidos da construção civil. Ainda, mercados imobiliários são cíclicos, podendo sofrer amplas variações de produção entre anos diferentes. Há dificuldades na padronização dos dados: algumas fontes relatam unidades habitacionais lançadas, outras unidades concluídas ou, ainda, no Brasil, as unidades que receberam alvarás ou Habite-se.
Algumas fontes de dados disponíveis são de prefeituras, outras de agências de pesquisa. No entanto, a população de uma cidade dificilmente mudará de forma a impactar significativamente o indicador (dado uma variação percentual menor comparado às variações de produção de moradia), e observando uma média histórica de unidades construídas (ou da meta a ser construída no futuro) é possível ter uma ideia de escala de grandeza se a cidade está construindo muita ou pouca habitação comparada a suas pares.
Para a finalidade deste exercício, buscamos utilizar as métricas que entendemos como mais relevantes para cada caso de acordo com os dados encontrados, e disponibilizamos a tabela que utilizamos com o método e as referências aqui.
Apesar da imprecisão, este tipo de abordagem é utilizado não apenas por analistas do mercado imobiliário e urbanistas acadêmicos mas foi também um dos exercícios feitos pela revista The Economist no recente especial sobre a crise habitacional global e pelo site CityLab, que analisou a construção habitacional dos Estados Unidos.
A matéria da The Economist, na ocasião, informava que, em cidades de países desenvolvidos, se constrói, em média, aproximadamente 4 unidades habitacionais por ano para cada 1.000 habitantes, tendo caído de 10 unidades por 1.000 habitantes na década de 70. Isso poderia estar relacionado à diminuição na velocidade de crescimento das cidades de países desenvolvidos ao longo do tempo mas, como mostra a matéria, também está relacionado a políticas habitacionais e urbanas que restringem o aumento da oferta habitacional — impactando, alternativamente, no aumento de preços que tem sido observado em muitas grandes cidades. Na ausência destas restrições, cidades de sucesso poderiam ter inclusive continuado crescendo a velocidades mais elevadas, mudando o curso da sua história.
A economista Emily Hamilton comenta sobre o impacto do código de zoneamento de Nova York de 1961 na acessibilidade a moradia. Os dados compilados por Glaeser, Gyourko e Saks mostram uma queda abrupta na produção imobiliária em Manhattan após a passagem da lei e o aumento dos preços de moradia seguintes. Não surpreendentemente, a população da cidade também praticamente parou de crescer desde 1960.
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Já a matéria do CityLab informa que, nos Estados Unidos, o volume de unidades construídas permaneceu estável comparando dados de 1994 e 2018, sendo que a população em 1994 era 20% menor do que hoje. Esse movimento significou que as grandes áreas metropolitanas dos EUA tiveram, em média, uma diminuição no número de moradias construídas por 1.000 habitantes, comparando a última década e a década anterior.
O número de unidades lançadas em um país, cidade ou região também é um dos principais indicadores macro de mercado acompanhados por grandes fundos de investimento no mercado imobiliário, como o Blackstone. No entanto, ao contrário do que muitos podem pensar, investidores como estes, que têm seus rendimentos com aluguel, torcem pela redução do número de unidades de moradia lançadas, pois significa menos oferta para uma demanda crescente, que se traduzem em alugueis mais altos.
Assim surge a pergunta: quais as cidades do mundo que constroem mais habitação em relação ao tamanho da sua população, e o que isso significa para seus mercados imobiliários?
Fizemos aqui um levantamento com cidades brasileiras e globais como um exercício comparativo. Os números são reveladores e apresentam relação com os indicadores de acessibilidade à moradia, como já demonstramos em outros artigos. Ou seja, as cidades que menos constroem unidades habitacionais por ano são famosas por enfrentarem crises habitacionais, como Paris e Barcelona, indo à cidades latino-americanas como Cidade do México e Salvador. Já as cidades analisadas que mais constroem habitação, como Tóquio e Dallas-Fort Worth são reconhecidas pelo custo de moradia acessível.
Mundo
Internacionalmente, chamam atenção Vancouver e Sydney, bem posicionadas na lista, mas que são reconhecidas pelo alto preço de moradia. Uma explicação pode estar no reconhecimento recente das autoridades canadenses e australianas, como reportado pela mesma matéria da The Economist, que é necessária uma mudança significativa das políticas habitacionais nos seus países. Ambas cidades têm experienciado forte crescimento populacional, e tanto em Vancouver como em Sydney isso levou a metas agressivas de construção de novas unidades habitacionais pelas secretarias responsáveis (no caso de Sydney, utilizamos o valor da meta e não o valor histórico).
Especificamente em Vancouver se vê hoje o que alguns consideram uma bolha imobiliária após um forte ciclo de expansão, que já começa a apresentar sinais de desaceleração e diminuição de preços, com queda de 11% no valor de residências unifamiliares. Em parte isso também se deve à diminuição de investidores e migrantes chineses, que enfrentam cada vez mais restrições para transferir recursos para fora da China, assim como ao novo imposto criado em 2016 na província de British Columbia, onde Vancouver se encontra, para compra de imóveis por estrangeiros.
O caso de Hong Kong também é interessante, pois a maior parte das unidades construídas é através de subsídios ou programas governamentais, criando uma divergência grande entre o preço habitacional no mercado privado e para quem depende de programas governamentais.
Brasil
No Brasil, o mercado de Curitiba também salta aos olhos, dado que, nos últimos anos, a cidade construiu mais que o dobro da média nacional de unidades habitacionais em relação a sua população. Nosso levantamento anterior de acessibilidade à moradia mostrou que é uma cidade relativamente acessível em nível nacional, embora não seja a líder. A explicação que parece ser mais relevante é que Curitiba foi justamente a cidade que teve a maior desvalorização imobiliária do país, de 7,7%, durante a crise entre 2014 e 2016.
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Ou seja, a construção em Curitiba entre 2009 e 2014 eleva a média de unidades lançadas de forma excepcional. Se considerássemos o patamar atual de lançamentos, a cidade estaria mais em linha com a média nacional, com o indicador ao redor de 5. Já Goiânia e Porto Alegre, nos extremos das cidades brasileiras do levantamento, não nos surpreenderam. Goiânia apresenta hoje um dos mercados habitacionais mais acessíveis, e Porto Alegre é a grande capital brasileira que menos cresce nos últimos 20 anos, enfrentando também graves crises fiscais tanto a nível municipal como estadual. Aliado a este cenário que diminui a demanda por novas unidades, políticas restritivas em Porto Alegre impedem o seu desenvolvimento imobiliário em um cenário onde os municípios da Região Metropolitana crescem a taxas mais elevadas.
Habitação informal
Outros pontos merecem ser observados. Cidades brasileiras e outras de países em desenvolvimento, como a Cidade do México, apresentam no índice baixíssima construção de unidades e tem boa parte da sua demanda atendida por construção informal, que não é contemplada nos dados de unidades construídas. Estas cidades deveriam chamar ainda mais atenção dos seus gestores públicos, pois em muitas delas o valor de unidades formais construídas é abaixo mesmo da média de países desenvolvidos, que possuem baixíssimos índices de moradia informal — que deveria estar sendo substituída, ao longo do tempo, por unidades formais.
No Brasil, o programa Minha Casa, Minha Vida também representou um valor muito significativo de construção de novas unidades nos últimos anos, chegando a 4 milhões de unidades entregues em 2019 — uma média de 400 mil unidades por ano desde o início do programa e já tendo chegando a 56% das unidades lançadas no país. Mesmo assim, como comentamos no início deste artigo, o desafio habitacional não é meramente quantitativo. Já escrevemos aqui no site como nem sempre casas propriamente ditas, principalmente quando isoladas de empregos e serviços urbanos, são a melhor resposta para aliviar o déficit habitacional.
Métricas do mercado imobiliário
No nosso Guia de Gestão Urbana já tínhamos recomendado, a partir da experiência do urbanista Alain Bertaud, a observação de métricas ainda mais detalhadas sobre a produção de moradia, como a identificação da disponibilidade de moradia por grupos de renda e o consumo de moradia por cada grupo. Ou seja, para gestores urbanos, a análise das métricas de produção de moradia na sua cidade deve ser ainda mais profunda, dado que a direção do mercado imobiliário pode atingir níveis alarmantes. No entanto, isso raramente é feito em cidades brasileiras. Durante esta pesquisa percebemos que as métricas do mercado imobiliário são acompanhadas quase exclusivamente pelas organizações do próprio mercado, como CBIC, SECOVI, SINDUSCON e ADEMI, e pouco observadas pelos gestores públicos das cidades.
Algumas cidades possuem dados referentes a alvarás e, muitas vezes, de forma desorganizada, como a Prefeitura de São Paulo, que tinha informações faltando, dados repetidos ou mal organizados nas planilhas. Muitas cidades não apareceram na lista por não termos ainda conseguido acesso a dados relevantes. Já as organizações privadas também deixam a desejar. Nem todas as unidades são contempladas nos levantamentos, principalmente de incorporações de menor porte.
Em grandes metrópoles de países desenvolvidos esta realidade normalmente é diferente, com as fontes de informação adquiridas através de relatórios das secretarias dos próprios municípios. Cidades norte-americanas inclusive acompanham a métrica de forma comparativa em nível nacional. A maioria delas possui metas claras de quantas unidades precisam entregar por ano, ou na próxima década, para manter níveis adequados de acessibilidade à moradia. Fica evidente, assim, que as políticas habitacionais municipais devem estar ligadas à observação da quantidade de moradias disponibilizadas pelo mercado, acompanhando métricas e/ou disponibilizando dados relevantes para análise.