Transcorrido o primeiro trimestre, consolida-se o cenário de crescimento medíocre em 2017. Algo como 0,5%.
Crescer 0,5% em 2017 representa recuo de 0,3% na renda per capita. No quadriênio 2014-17, a renda per capita terá caído 9,6%, o mesmo recuo do quadriênio 1981-84. Esses são os dois piores quadriênios desde 1905.
Uma crise dessas proporções não é explicada apenas por supostos erros na condução conjuntural da política econômica, como sugerem os economistas heterodoxos. A crise, para assumir essa proporção, demanda cuidadosa construção ao longo de anos e soma fatores de diferentes naturezas.
Nessa crise, há duas causas estruturais principais e uma dinâmica cíclica muito desfavorável.
A componente cíclica é o fato de que o ponto de partida do processo de desinflação foi muito ruim. A inflação de 2014 foi de 6,5%, com elevada inércia, pois rodou em média a 6,1% em cinco anos (incluindo 2014).
Em 2015, a inflação saltou para 10,67%, como consequência inevitável de fatores ligados ao ajuste econômico: atraso tarifário de 20%, o que colocou cinco pontos percentuais na inflação ao longo de dois anos; atraso cambial de uns 30%, o que adicionou mais 1,5 ponto; taxa de desemprego abaixo da natural (a que não acelera nem desacelera a inflação), o que atrasou muito o início do processo de desinflação.
Para entender a crise, é necessário saber as causas da fortíssima queda do investimento, o que envolve os fatores estruturais. Em 2017, o nível será quase 25% inferior ao de 2013. Um recuo de 25% numa componente que representa 20% da demanda significa queda do produto de cinco pontos percentuais, numa operação aritmética elementar.
A queda do investimento, portanto, explica por si só 2/3 da queda do produto de 7,5% no biênio 2015-16.
O primeiro componente estrutural da crise é assemelhado ao da crise da dívida externa nos anos 1980: esgotamento de ambicioso plano de investimento em setores considerados estratégicos, cujo desenho financeiro considerava que a capacidade de financiamento do Estado brasileiro era ilimitada.
Programas como o plano de investimento da Petrobras, da indústria naval e o Minha Casa, Minha Vida supunham capacidade ilimitada de financiamento do BNDES e do Tesouro. Esses investimentos aumentaram o endividamento das empresas estatais e do Tesouro e não geraram caixa. Pois, diferentemente da década de 1970, foram agora mal projetados e mal executados.
Outro exemplo foi o programa Inovar-Auto, que estimulou sobreinvestimento no setor automobilístico ao mesmo tempo em que a política econômica estimulava um ciclo de antecipação de consumo no setor. Quando a nova capacidade maturou, a demanda encolheu. Evidentemente os investimentos no setor despencaram.
O segundo elemento estrutural da crise está ligado ao tema da solvência do Tesouro. Parecia que tínhamos atingido um grau superior de civilidade que a maioria dos países desenvolvidos e muitos emergentes já alcançaram: gerir o conflito distributivo sem gerar inflação e sem colocar em risco a solvência pública.
Todo o setor produtivo se preparou para operar em uma sociedade com esse nível superior de desenvolvimento institucional.
O tombo do retorno ao passado foi grande. A frustração, enorme.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 16/04/2017
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