A primeira boa notícia a esse respeito é que o movimento recente não guarda relação com aquela experiência. Naquele tempo, a inflação estava em torno de 6% e em 2020 será (bem) inferior a 3%. Aquela baixa foi uma “forçação de barra”, ao passo que agora ninguém considera o movimento do Banco Central guiado por qualquer artificialismo.
A segunda boa notícia é que, se o País não enlouquecer em matéria fiscal e o Brasil retomar a trajetória de controle do déficit público, não há razões para imaginar que veremos nos próximos anos uma alta como aquela a que assistimos entre 2013 e 2015. Sei que há muita gente com muita competência na área monetária que tem uma opinião diferente, julgando que a alta, quando ocorrer, terá de ser maior. Por isso tentarei explicar por que estou convencido do meu ponto.
Adoto três pressupostos. O primeiro é que o Brasil continuará aprovando reformas que lhe permitam enfrentar o desafio fiscal. O segundo é que, como consequência disso, o déficit público terá uma trajetória declinante depois de 2020 e a dívida pública deixará de crescer, como proporção do produto interno bruto (PIB), na segunda metade da década. E o terceiro é que a meta de inflação para 2024, a ser definida em 2021, será de 3% ao ano e mantida sine die. Como a hipótese de inflação de longo prazo nos Estados Unidos tende a ser em torno de 2%, estaríamos falando de um diferencial de 1%.
Outra referência importante é a taxa máxima em dólares dos títulos de dez anos do Tesouro dos Estados Unidos a partir de 2008, que foi em torno, em valores arredondados, de 3,5% nominais, deixando de lado os valores algo artificiais do indicador nos últimos tempos. A política monetária no mundo inteiro está passando por um período anormal e a ideia é que em algum momento distante a variável voltará a valores mais condizentes com uma economia que tenha superado a necessidade de enfrentar uma ameaça recessiva. Quando isso acontecer, essa taxa deve retornar a 3,5%. Nesse caso, a taxa de curto prazo dos Fed Funds, para efeitos do raciocínio a ser exposto aqui, seria de 3% daqui a alguns – talvez, vários – anos.
A esse conjunto de hipóteses devemos adicionar mais duas, entendendo que, 1) pelo peso da diferença de trajetórias ao longo de décadas, continuará havendo um risco País, na forma de um plus de cem pontos básicos que serão parte do cálculo da taxa de equilíbrio de curto prazo no Brasil em relação à vigente nos Estados Unidos; e 2) esse adicional seria de 150 pontos para papéis longos (dez anos).
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Resumidamente, portanto, a taxa de juros no País – num caso, de curto e no outro, de longo prazo – seria formada pela combinação de referência externa de juros (Estados Unidos) + diferencial de inflação + componente de risco.
Para o curto prazo, associado à definição da nossa Selic, esses parâmetros seriam 3%, 1% e 1%, o que implicaria ter uma taxa normal de 5% daqui a alguns anos, deixando de lado pequenas diferenças na casa decimal resultantes de o cálculo ser multiplicativo, e não aditivo. Já para posições mais longas (dez anos) estaríamos falando de 3,5%, 1% e 1,5%, somando em torno de 6%. Ressalte-se que atualmente a taxa Selic é da ordem de 2% e a taxa nominal de dez anos é, grosso modo, de 6%. Ou seja, disso tudo se pode depreender que, enquanto a Selic em algum momento futuro incerto – mas não tão próximo – terá de aumentar, é possível, mesmo no longo prazo, termos juros nominais longos que se conservem em relação aos atuais, num contexto de meta de inflação menor e de risco de um país que tenha deixado para atrás seus problemas fiscais mais sérios.
Quando se pensa no que isso significaria em termos de taxas reais, teríamos o panorama exposto a seguir, no cenário, daqui a alguns anos, de inflação estável de 3%. Para a Selic, uma taxa nominal de 5% corresponderia a uma taxa real de 2%. Já para os papéis mais longos, a taxa nominal de 6% equivaleria a uma taxa real de 3%.
Ou seja, a curva de juros seria uma curva menos acentuada do que a atual, porque os juros curtos, em termos reais, aumentariam, mas com os juros longos bem comportados. “Selic a 5%” seria o “novo normal” do País futuro, assim como “Fed Funds a 3%” seria o normal nos Estados Unidos em algum momento da década. Isso não impediria que, em fases de necessidade de aperto da política monetária, o juro não possa ser maior, mas com uma ociosidade tão elevada, vai demorar um bom tempo até essa necessidade se verificar.
Fonte: “O Estado de São Paulo”, 5/8/2020