Entre 1991 e 2013 a despesa primária do Governo Central, incluindo as transferências a Estados e municípios, passou de 13,7% para 22,8% do PIB. É uma variação espantosa, que implica uma média de 0,41% do PIB a mais do PIB de gasto público a cada ano por um período de 22 anos. Isso seria muito bom se o Brasil tivesse se convertido em um canteiro de obras, nossa educação tivesse a qualidade suíça e o atendimento à saúde um padrão escandinavo. Sabemos, porém, quão distantes estamos de tudo isso.
O padrão fiscal mudou após o ajuste fiscal de 1998, quando a percepção de que era necessário colocar limites ao déficit público levou o país a adotar metas relativamente rígidas de superávit primário, após o que a expansão da dívida foi contornada e o país efetivamente se ajustou em termos do resultado fiscal. O problema é que trocamos uma flexibilidade por outra: se antes o crescimento do gasto público era financiado por uma inflação elevadíssima até 1994 e pela expansão da dívida pública nos primeiros anos depois do Plano Real, estabelecido o “tripé” de metas de superávit primário/metas de inflação/câmbio flutuante vigente desde 1999, a variável de ajuste passou a ser a carga tributária federal: a receita do Governo Central, incluindo a Previdência, passou de 18,7% do PIB em 1998 para 24,4% do PIB em 2013. Isso dá uma média de 0,38% do PIB de carga tributária a mais na economia a cada ano durante 15 anos. Não é de estranhar que o Brasil tenha problemas de competitividade, resultantes entre outras coisas da combinação de uma carga tributária elevada com distorções do sistema de arrecadação.
Estas e outras questões que dizem respeito à avaliação dos problemas enfrentados pela economia brasileira encontram-se no meu capítulo de abertura, “A economia brasileira na segunda metade da década: riscos de esgotamento do ciclo de expansão iniciado em 2004” escrito com Marcelo Kfoury Muinhos, no livro “Propostas para o Governo 2015/2018”, que organizei recentemente com Cláudio Porto e foi publicado pela Ed. Campus.
No capítulo, mostramos que, como os gastos do Governo têm crescido ao longo dos últimos 20 anos e como parte desses gastos se traduzem macroeconomicamente em maior dispêndio em consumo das famílias – como no caso do componente da Previdência Social associado ao INSS – o financiamento do investimento, tendo menos espaço para ser coberto por poupança doméstica, se tornou progressivamente mais dependente da poupança externa. Anos atrás, escrevendo para o livro que organizei com Octavio de Barros, “Brasil globalizado” (Ed. Campus), os professores Affonso Pastore, Maria Cristina Pinotti e Leonardo Almeida já tinham constatado que “uma importante regularidade empírica brasileira é a elevada correlação positiva contemporânea entre as importações e os investimentos: aumentos na formação bruta de capital fixo são extremamente dependentes de aumentos de importações” (página 296/297). Os resultados econométricos que identificamos no artigo com Marcelo K. Muinhos sugerem que essa relação entre o nível do investimento e a poupança externa se acentuou.
Nos 5 anos entre 1999 e 2004, a poupança doméstica aumentou 6,4 pontos percentuais do PIB, de 12,1% para 18,5% do PIB. Nesse período, o PIB cresceu 3,0 % a.a. e o consumo cresceu menos: 2,1% a.a. Já na média dos 9 anos de 2004 a 2013, o crescimento anual do PIB foi um pouco maior, embora não tenha mudado drasticamente (3,5%), mas foi no crescimento anual do consumo total que houve um salto: 4,3%. Em contrapartida, a poupança doméstica cedeu 4,7 pontos do PIB, caindo de 18,5% para 13,8% do PIB. No primeiro período, o país estava fazendo o que era certo, mas todo ajuste dói. No segundo, sacou contra o futuro e os governos compraram popularidade. A consequência se vê no resultado em conta corrente do balanço de pagamentos nas Contas Nacionais do IBGE: entre 1999 e 2004, passou de um déficit de 4,3% do PIB a um superávit de 1,4% do PIB – quase 6 pontos do PIB de ajustamento. Já em 2013, foi deficitário em 4,1% do PIB – uma piora de 5,5 pontos do PIB em 9 anos.
Gasto público crescente, consumo crescente, poupança doméstica declinante, déficit em conta corrente em aumento. A pergunta que cabe é: até quando? Esperemos que cedo ou tarde o país encare estas questões. Caso contrário, como diria Ancelmo Gois… deixa pra lá.
Fonte: Valor Econômico, 09/07/2014.
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