Para quem ainda tinha dúvida sobre a contribuição do Federal Reserve (Fed)
de Alan Greenspan para a formação das grandes bolhas nos mercados financeiros, o banco central americano de Ben Bernanke resolveu reencenar o clássico enredo. É como se valesse a pena ver de novo. Mas lembre-se de que, se a História se repete, a primeira vez é como tragédia e depois como farsa.
Com a mesma receita de sempre – juros extraordinariamente baixos por um
período demasiadamente longo -, os bancos centrais tiveram sucesso em reverter o colapso dos preços dos ativos financeiros e interromper a queda livre da produção e do emprego, afastando a ameaça de uma Grande Depressão.
Foi então restabelecida a mecânica da formação de bolhas a partir de doses
inéditas de injeções de liquidez pelo Federal Reserve. O baixo custo do dinheiro e a liquidez
abundante derrubaram novamente a cotação do dólar nos mercados de moedas, empurraram para cima os preços das commodities, fizeram disparar os preços das ações nas bolsas, estabilizaram a demanda por bens e serviços e deram início à recuperação da atividade econômica.
Parecia tudo muito bem até a semana passada, quando uma forte correção nos
mercados trouxe de volta o pesadelo do buraco negro que ameaçou tragar a economia mundial. O aumento da volatilidade dos preços, episódios de pânico na liquidação de ações, a elevação do volume de transações e especulações de que o Fed estaria prestes a sinalizar uma eventual correção de rumos em sua política de dinheiro fácil e barato – tudo isso indicava uma percepção generalizada de enorme risco iminente. As amplas flutuações dos preços eram o sintoma inequívoco de um nervosismo que se transformava em histeria, a exemplo do que ocorreu no final de 2008 e se repetiu no início de 2009. Na quarta-feira da semana passada (4), o banco central americano reafirmou seu compromisso com a política de juros baixos, mas reduziu ligeiramente seu programa de recompra de papéis. O sinal foi claro: continua a política de dinheiro barato, mas diminuem as doses de injeção de liquidez.
Com o recente episódio de turbulência, ficam evidentes não apenas o papel
dos bancos centrais na formação das bolhas mas também a inevitabilidade de uma síndrome de
abstinência quando se fala em interromper a droga administrada: o crédito farto e barato. Uma reflexão se impõe. Se sabemos que as crises recorrentes, o colapso de crédito, o desabamento das bolsas e a ameaça de desorganização da produção e do emprego são tão nefastos, por que insistiriam os bancos centrais nessa mesma receita de formação de bolhas financeiras sucessivas?
A resposta é política. Teria o governo americano coragem de garantir apenas
os depósitos da grande massa de depositantes até o limite estabelecido pelo Federal Deposit
Insurance Corporation (Fdic), deixando dissolver quase 1 trilhão de dólares que o governo chinês tinha em títulos das agências imobiliárias envolvidas até o pescoço na criação da grande bolha de crédito? Seria, da mesma forma, possível deixar quebrar os grandes bancos americanos, preservando apenas seus depositantes?
Está claro agora que a injeção de liquidez pelo Fed não se transforma automaticamente em nova expansão de crédito, como deseja o governo. Mas como enfrentar as ameaças de
desorganização da produção e do desemprego em massa pela interrupção dos fluxos de crédito em uma economia de mercado? A saída mais fácil, quase inevitável, será sempre a tentativa de reflação. A tentativa de inchar os balanços inflando novamente os preços dos ativos, em vez de assumir as perdas definitivas dos credores, a inexequibilidade das dívidas e a dissolução dos patrimônios.
Sim, os contribuintes que elegeram Barack Obama terão de pagar mais e mais impostos para salvar bancos ou, pior ainda, depositantes que vão desde um bilionário local a um cleptocrata russo, em nome da salvação do “capitalismo”. É assim que funcionam as finanças nas economias modernas: capitalismo para todos, exceto para os financistas.
Fonte: Revista Época, publicado em 9 de novembro.
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