Como disse a presidente Dilma, com conhecimento de causa, para ganhar eleições faz-se o diabo. Como fez o presidente Geisel, em 1977, editando o “Pacote de abril” para ajudar a Arena a ganhar as eleições legislativas. Entre outras leis e decretos para assegurar a maioria no Congresso, dava mais cadeiras de deputados aos Estados menos populosos e mais pobres e atrasados, dominados pelo governismo e o coronelismo. Ganhou as eleições, mas até hoje o Brasil democrático perde com esse entulho autoritário.
O pretexto para o arbítrio era equilibrar as desigualdades regionais, como se mais deputados com menos votos pudessem dar mais ordem e progresso ao Acre, Amapá, Roraima, Rondônia e Sergipe, onde cada voto passou a valer no Congresso três vezes mais do que os de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro, distorcendo a representatividade, a federação e o princípio democrático de “um cidadão, um voto”.
O analista político Fernando Rodrigues contabilizou: em 2010, os 48 deputados eleitos por esses Estados privilegiados – que continuam entre os mais pobres e atrasados – tiveram, juntos, 1,8 milhão de votos. Já os 46 eleitos pelo Rio de Janeiro receberam 4,5 milhões de votos. Certos parágrafos valem por uma coluna inteira. Mas, além dos caciques regionais, como Sarney e Romero Jucá, quem defende a continuidade dessa partilha autoritária e casuística? Os partidos que hoje dominam esses grotões e não querem perder a vantagem que a ditadura lhes deu.
Todos concordam com a urgência de uma reforma eleitoral, mas ninguém fala nessa aberração, só em financiamento público, lista fechada, voto distrital, o que for mais vantajoso para o partido que propõe, e assim não se faz reforma alguma.
Mesmo na hora em que o pacto federativo é ameaçado pela guerra dos royalties do petróleo, pelos cortes de impostos que prejudicam os Estados, pelos critérios de distribuição dos fundos constitucionais aos entes federativos, ninguém quer discutir as distorções dos colégios eleitorais. É incrível, mas o “Pacote de abril” continua em vigor, como uma diabrura da ditadura para ganhar as eleições.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 15/03/2013
Nelson Motta aborda a equivocada proporcionalidade da representação parlamentar no Congresso Nacional.
E evoca a assertiva da presidente da república sobre o pacto com o diabo para ganhar as eleições, e remonta ao longínquo ano de 1977, quando o General Geisel editou o “Pacote de Abril” para ajudar a ARENA, o partido do governo, a ganhar as eleições legislativas.
Segundo o articulista, “até hoje o Brasil democrático perde com esse entulho autoritário.”
Em 1985 o poder retornou aos civis. Três anos depois, a sociedade brasileira, através dos seus representantes aprovou aquela que foi chamada de Constituição Cidadã. Este diploma já passou por várias revisões. E nada foi feito para alterar aquela situação. Mas, passados 25 anos fica mais fácil culpar mazelas políticas atuais como sendo resquícios do “entulho autoritário” do que cobrar dos atuais representantes que se reúnam e aprovem uma reforma política que atenda aos reais interesses da nação.
E isso continuará até que se chegue a uma crise em que todos saem perdendo. O Brasil, como a maioria dos indivíduos, reage às situações, mas não tem qualquer brilho em enxergar o futuro. Vamos aos trancos e barrancos. Basta constatar que o cérebro do país está em Brasília. Quer mais ou chega?