O estímulo excessivo ao consumo cobra seu preço. O consumidor endividou-se muito nos últimos anos e agora está mais conservador. Reflexo disso é a piora da confiança do consumidor. É um processo ainda em curso que merece atenção. De empresários, mas também de políticos, pois confiança do consumidor e aprovação do governo têm dinâmicas parecidas.
A confiança do consumidor tem caído quase continuamente desde meados de 2012. O índice da FGV, calculado desde setembro de 2005, ficou em 107 pontos em março, valor abaixo da média histórica de 112. O resultado não é exatamente ruim, pois ainda está acima da barreira do 100, o que significa que o consumidor mantem-se (ligeiramente) otimista. A tendência, no entanto, incomoda.
O que move a confiança dos indivíduos é, principalmente, sua capacidade de consumir. Confiança do consumidor e vendas do varejo caminham juntas, sem indicação clara sobre “quem causa quem”. Os resultados das pesquisas sobre a chamada nova classe média vão na mesma direção ao apontar que o que os indivíduos anseiam é consumir mais e planejar seu consumo.
As decisões de consumo são basicamente ditadas pelos mercados de crédito e de trabalho, sendo que as variáveis econômicas que se destacam para explicar a dinâmica de consumo e confiança do consumidor são a taxa real de juros, a massa salarial, a oferta de crédito e a taxa de inadimplência.
No caso da massa salarial e da concessão de crédito, importam mais as taxas de variação do que os patamares atingidos. O indivíduo, portanto, anseia o crescimento da sua renda, mesmo já tendo atingido um patamar mais confortável. Esse ponto é importante porque coloca em xeque avaliações de que o melhor padrão de consumo atingido na última década deveria ser suficiente para manter elevada a confiança do consumidor ou mesmo a aprovação do governo.
Atualmente, com exceção da taxa de inadimplência, todas as outras variáveis sinalizam o enfraquecimento adicional da confiança do consumidor, sendo que convém relativizar o quão adimplente está o consumidor. Se por um lado a taxa de inadimplência (atrasos acima de 15 dias) em relação à carteira de crédito dos bancos recuou para as mínimas históricas de 10%, a mesma variável calculada como proporção da renda anual dos indivíduos mantém-se elevada, em 4,7%, não muito distante do teto de 5,4%.
O consumidor se defronta hoje com um elevado grau de endividamento, com estoque de dívida próximo a 46% da sua renda anual. Comparando com países de PIB per capita próximos ao do Brasil, esse patamar já é considerável. E pode ser considerado alto tendo em vista as elevadas taxa de juros ao consumidor, atualmente em 27% ao ano. Com taxas tão altas, é elevado o comprometimento da renda do consumidor com o pagamento de serviço da dívida (amortização e juros), atualmente acima de 21%. Para comparação, em 2008, no Chile, onde a renda per capita é 50% maior que a brasileira, o comprometimento da renda disponível (exclui pagamento de impostos) com serviço da dívida estava em 11% contra 18% no Brasil tomando a renda total, para um endividamento de indivíduos de 40% do PIB, contra apenas 17% no Brasil.
A pressão do elevado serviço da dívida sobre o orçamento familiar pode ser um fator a alimentar ainda mais o conservadorismo do consumidor, pois este fica mais sensível e vulnerável a ajustes salariais mais moderados, como os de agora, e a pressões inflacionárias.
É possível que o consumidor deseje se “desalavancar”, ou seja, reduzir seu endividamento. Neste caso, o ciclo de altas de juros pelo BC ainda em curso e com efeitos defasados a se materializar, inclusive sobre a oferta de crédito dos bancos e a massa salarial, se somaria ao possível esforço de “desalavancagem” do consumidor.
Além da desaceleração do consumo, uma outra manifestação desse quadro de consumidor menos confiante é a mudança do mix de consumo, substituindo bens de maior valor para os chamados small-tickets.
Nos últimos 12 meses até janeiro, o volume de vendas do varejo aumentou 3,5%, tendo nos dois extremos o pequeno incremento de 1% de vendas de veículos e partes (bens de maior valor) e o robusto 11% de produtos farmacêuticos e cosméticos (bens de menor valor). Em termos de receita nominal, a alta de apenas 7,4% no varejo, não muito acima da taxa de inflação corrente, reforça essa busca por produtos de menor valor, mesmo dentro da mesma categoria de bens, optando-se por produtos mais baratos.
Conclui-se, assim, que o segmento de varejo tem desacelerado mais do que a estatística de volume de vendas sugere. E pode desacelerar mais que o esperado ao longo do ano, por conta de uma preocupação do consumidor em equilibrar suas finanças. Apesar da frustração de empresários, é um ajuste necessário para corrigir excessos do passado.
A lição é que mesmo uma sociedade que não se saia muito bem nos testes de matemática em nível global – conforme resultados recentes do Pisa – aprende a equilibrar seu orçamento e tomar decisões de forma racional. Talvez a sociedade espere o mesmo dos governantes.
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