Num país cuja formação foi realizada numa mistura de aristocratas portugueses, legitimados por um príncipe regente membro de uma família extensa obviamente disfuncional, fugidos das tropas de Napoleão e uma pobre elite local fundada no trabalho escravo africano, a expressão que intitula essa melancólica crônica tem sido um mantra. Um mantra persistente.
Eu a ouvi quando Vargas começava a ser “democratizado” pelo ambiente político moral de um após guerra que apresentou ao mundo o modelo americano. Uma agenda ilustrada dramaticamente no cinema de Capra, Stevens e Ford, da música popular, e de um novo jornalismo. No plano financeiro, em demonstrações concretas de ajuda com o objetivo de reconstruir uma Europa devastada por si mesma, livrando-a – temporariamente – do seu “quanto pior, melhor”.
O símbolo dessa americanização foi a Coca-Cola que, em 1946, meu pai me deu para provar, dizendo: “Veja, meu filho, essa última maluquice dos americanos…”. Estávamos em Maceió e eu me lembro dos comentários negativos de papai sobre o ridículo que era o jogo de tênis e o absurdo de, nos bailes realizados numa base americana local, um sujeito dançar com a mulher do outro…
Ganhar uma guerra na Europa e no Pacífico sem um autoritarismo e dando continuidade a uma economia de mercado livre tornou os Estados Unidos o país que todos queriam conhecer e, alguns anos mais tarde, engendrou o derrogatório “americanalhado” usado para gente que tinha sido parcialmente educada na América, como foi o meu caso.
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Na faculdade, no início dos anos 50, aprendi que tudo se resumia a uma luta de classes – dominantes explorando impiedosamente os dominados. O ideal era a generosidade socialista fundada na divisão. Inocente dos estilos nacionais de interpretar o Brasil e de governar por meio de profissionais chamados de “políticos”, eu não conseguia relacionar essa luta com o modo familiar com o qual os empregados domésticos da nossa casa eram tratados. Eram negros e pobres, mas nós os chamávamos de “senhor” e “senhora”. Os laços com seus patrões englobavam o serviço que prestavam e, mais que isso, todos acreditavam num Deus católico das missas e em uma ética emoldurada pela sua aceitação passiva do seu destino e pela caridade – esse valor que bloqueava a impessoalidade do “quanto pior, melhor!”.
“Politizado”, eu não via o Brasil como um navio no qual éramos todos passageiros, mas como uma nau dividida. A palavra de ordem era trocar os oficiais pelos marinheiros.
Lutávamos por isso sem saber que, quando os representantes dos desfavorecidos trabalhadores foram eleitos, eles tinham como modelo de governar uma antiga matriz aristocrática baseada em privilégios, em eugenia e em estadolatria, estadomania e estadopatia. O mérito do liberalismo era substituído por teias de relações que buscavam emprego jamais trabalho na máquina feita para impedir o serviço braçal própria para os ex-escravos. Ser funcionário público ainda é um ideal gerador de todo tipo de perversão administrativa. O limite vai até o sistema superior de ensino no qual todos são funcionários públicos, um papel obviamente incompatível com o de professor pesquisador dotado de consciência profissional.
Em meio a essas enormes contradições até hoje não percebidas, foi que ouvi a expressão “quanto pior, melhor!” como uma senha para desejar sempre pelo pior o que, felizmente, poucos dos nossos mais sensíveis governantes jamais fizeram. Pois na luta entre socialismo e capitalismo (ambos mal-entendidos, conforme vemos claramente graças à globalização e ao vírus coroado) e diante da circunstância de termos uma pletora de comunistas ricos e célebres, mas atormentados pela culpa, todos cometem o plausível: decidir não decidir! Ficam como gatos em cima do muro para “ver no que vai dar”.
Se o liberalismo em terras patriarcais implica um enorme ajuste e muitos sacrifícios (um eufemismo para as perdas das elites), mas não podendo dispensar seus superprivilégios previstos em lei e, quando no governo, protegidos de suas mais vis falcatruas, só restava a contradição suicida do “quanto pior, melhor!”. No fundo, o que esse mantra demanda é não escamotear a crise quando ela precisa ser debelada e não inventar crises em cima de crises com o risco de assassinar o País.
É justo o que muitos desejam até hoje sem – e eu deixo isso bem claro – achar que o presidente deve não só ficar calado (porque em boca calada não entra mosca!), mas fechar a boca dos seus filhos.
Fonte: “O Estado de São Paulo”, 8/4/2020