Impossível não tratar do fraco crescimento da economia brasileira no terceiro trimestre, quando o Produto Interno Bruto (PIB) registrou expansão de meros 0,6%, praticamente selando crescimento ao redor de 1% este ano e sublinhando as dificuldades que o país terá que superar para atingir a meta de 4% em 2013. Eu, em particular, espero um número entre 3% e 3,5% no ano que vem, mas ficaria apenas moderadamente surpreso se ficasse pouco abaixo de 3%.
À luz da anemia econômica deste ano uma mente desatenta poderia até atribuir poderes mediúnicos ao Copom, que iniciou seu ciclo de redução da taxa de juros embalado pela “hipótese de que a atual deterioração do cenário internacional cause um impacto sobre a economia brasileira equivalente a um quarto do observado durante a crise internacional de 2008/2009”.
Uma investigação minimamente mais cuidadosa, contudo, mostra um quadro muito distinto daquele suposto pelo Banco Central (BC). A começar porque, do ponto de vista da economia global, a desaceleração recente é pálida sombra do que foi a crise de 2008/2009. Naquele momento a economia mundial sofreu um colapso, como revelado pela contração de 13% no comércio internacional; em 2012, em contraste, embora o crescimento tenha se desacelerado, permanece ainda em terreno positivo, registrando expansão pouco superior a 2% nos 12 meses terminados em setembro relativamente ao mesmo período do ano anterior.
Mais revelador que isso, contudo, é a comparação do desempenho da economia brasileira relativamente às suas contrapartes na América Latina. Da mesma forma que no meu artigo do mês passado escolhi as economias (Chile, Colômbia e Peru) que, além de compartilharem com o Brasil o perfil de exportadoras líquidas de commodities, adotam o regime cambial e monetário que vigorava até recentemente no país, isto é, mantiveram as metas para a inflação, assim como o câmbio flutuante, além do compromisso sólido com suas metas fiscais.
Assim, se a desaceleração da economia brasileira resultasse da crise internacional deveríamos observar um comportamento semelhante por parte dos demais países, como o ocorrido em 2009.
Há, porém, uma complicação técnica que precisa ser tratada: é necessário distinguir os movimentos cíclicos da economia daqueles associados à sua tendência de crescimento. De fato, os efeitos da crise internacional devem se manifestar como uma redução cíclica do crescimento, isto é, um desvio para baixo relativamente à sua tendência. Se tais efeitos não forem desembaraçados corremos o risco de atribuir à crise um ritmo de crescimento mais lento que, na verdade, se originaria de uma menor capacidade de expansão sustentável.
Para tratar uniformemente todas as economias em análise estimei uma tendência simples (um filtro Hodrick-Prescott) para cada uma delas e calculei o desvio do crescimento observado relativamente à tendência. O gráfico mostra os desvios do crescimento brasileiro, assim como a média dos desvios dos demais países (apenas para deixar o gráfico mais legível; chegaríamos às mesmas conclusões usando as informações separadas para cada país).
Os números são reveladores. É possível ver como os movimentos cíclicos no Brasil se assemelham aos dos demais países, em particular no período imediatamente posterior à eclosão da crise de 2008. Todos os países foram tragados pelo maelstron financeiro, desviando-se significativamente para baixo com respeito à sua tendência. Da mesma forma sua recuperação foi não apenas rápida, mas também vigorosa, revelando taxas de crescimento bastante superiores à tendência já em 2010.
Quando se examina o período mais recente, todavia, é visível a diferença de desempenho entre o Brasil e os demais países latino-americanos. Embora o crescimento tenha se desacelerado em todos eles (em média uma redução de 1 ponto percentual), a desaceleração brasileira foi muito mais forte (cerca de 4 pontos percentuais) e o Brasil é o único que registra expansão abaixo da tendência estimada.
Posto de outra forma, os dados sugerem que o baixo crescimento nacional é um fenômeno local. Já as causas são objeto de debate feroz, embora minha explicação favorita ainda aponte para o esgotamento do processo de incorporação de mão de obra ociosa como um culpado provável (no caso implicando também que a tendência acima estimada deve exagerar nossa capacidade de crescimento).
Isto dito, é preciso reconhecer que, em retrospecto, o ministro da Fazenda estava correto ao qualificar a projeção do PIB de 1,5% como piada; só não percebeu que a sua própria piada (crescimento de 4%) era bem mais engraçada…
Fonte: Valor Econômico, 06/12/2012
A piada dos 4% do Ministro Mantega foi muito mais engracado,
ou seja, foi uma grande mentira.