A proposta de criar um sistema alternativo de aposentadoria ganhou espaço nos planos dos presidenciáveis. Dos seis candidatos mais bem colocados nas pesquisas de intenção de voto, quatro defendem adotar o regime de capitalização — no qual o valor do benefício depende da contribuição de cada um — para assegurar a sustentabilidade da Previdência, cujo déficit chegou a R$ 268,8 bilhões em 2017 (servidores e INSS). Especialistas alertam, porém, para riscos desse modelo, como o elevado custo de transição e a possibilidade de a aposentadoria ficar aquém do esperado por falta de recursos.
O “Globo” conversou com os assessores econômicos dos candidatos. Os que defendem a capitalização são Jair Bolsonaro (PSL), Álvaros Dias (Podemos), Ciro Gomes (PDT) e Marina Silva (Rede). Tradicionais rivais em eleições, PT e PSDB criticam a adoção do regime. Todos concordam, no entanto, que o atual sistema de Previdência agrava a situação fiscal do país e que deve passar por uma reforma.
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Hoje, o sistema previdenciário brasileiro funciona sob o regime de repartição, em que os mais jovens contribuem para a aposentadoria das gerações futuras e no qual há um teto para o benefício. Com o envelhecimento da população, o número de pessoas que o recebem aumenta em ritmo superior ao dos que contribuem, causando desequilíbrio nas contas públicas. No sistema de capitalização, não há essa relação de dependência, pois cada um é responsável por acumular sua própria reserva.
Responsável pelo plano de Bolsonaro, o economista Paulo Guedes é um dos que defendem o sistema alternativo de forma mais enfática. Em sua proposta, inspirada no modelo chileno, apenas quem entrar no mercado de trabalho teria a opção de aderir ao novo regime, fora do INSS. Cada um teria uma conta individual, gerida pela instituição privada que escolher, na qual seriam feitos aportes ao longo da carreira. Para quem não conseguir poupar, o governo garantiria uma renda mínima, menor que o salário mínimo e maior que o Bolsa Família.
Ao optar pelo novo regime previdenciário, o trabalhador também estaria enquadrado em um sistema alternativo de regras trabalhista. A chamada carteira verde e amarela — em oposição à tradicional azul — não seria regida pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Não haveria representação sindical, por exemplo. O atual modelo do INSS também passaria por uma reforma, incluindo adoção de idade mínima, mas os detalhes ainda não foram fechados com Bolsonaro.
— Tem que ter um ajuste. São duas coisas separadas. O que eu faço com o avião que está caindo? Aperto o cinto de todo mundo — diz Guedes, que compara a atual Previdência a uma aeronave em queda.
A proposta de Álvaro Dias prevê a criação de um fundo previdenciário que funcionaria paralelamente ao atual modelo de repartição. Esse fundo receberia mensalmente as contribuições dos trabalhadores que optarem por migrar para o novo modelo, bem como as contribuições patronais. As contas seriam individuais, logo, cada participante acumularia recursos para si, sem limite para o benefício. A adesão ao novo regime será facultada tanto a funcionários do setor privado como do setor público.
Para capitalizar o fundo, seriam incorporados a ele todos os bens da União, desde estatais até imóveis e terrenos. Os recursos obtidos com a venda das empresas públicas seriam distribuídos por todos os participantes e jamais usados no abatimento da dívida do país. Na prática, os contribuintes que optarem por esse modelo se tornariam sócios das estatais. O fundo seria administrado por um gestor independente.
Os trabalhadores que permanecerem no atual modelo seriam submetidos a uma reforma da Previdência, que manteria os principais aspectos do projeto do governo Temer, com unificação dos regimes de trabalhadores públicos e do setor privado, fixação de um teto para o benefício — como já existe hoje — e exigência de idade mínima.
— É um sistema mais justo porque você recebe de acordo com o que você contribuiu — diz Ana Paula de Oliveira, assessora econômica do Podemos.
O ex-secretário de Políticas de Previdência Social Leonardo Rolim avalia que o regime de capitalização, implementado de forma isolada, sem qualquer conexão com o sistema de repartição, traz riscos aos que migrarem para o novo modelo. No Brasil, diz, onde não há perspectiva de estabilidade no emprego, especialmente entre os menos qualificados, o trabalhador pode ficar longos períodos sem contribuir para o fundo alternativo. Assim, quando quiser se aposentar, a reserva acumulada será bem abaixo da esperada, algo que já aconteceu no Chile.
Na tentativa de evitar distorções, Ciro Gomes propõe um sistema misto. A ideia é implantar um regime formado por três pilares, explica o economista Nelson Marconi, que assessora o candidato. O primeiro concentraria os benefícios assistenciais, pagos a quem não pode contribuir, como aposentadoria rural e Benefício da Prestação Continuada (BPC). Esse segmento seria financiado pelo governo — hoje essas despesas vêm das contribuições dos trabalhadores.
No segundo pilar, entrariam os que recebem até um limite a ser estabelecido, menor que atual teto do INSS (R$ 5.645,80). Esse grupo continuaria em um regime como o atual. É no terceiro pilar que entra o sistema de capitalização, que seria adotado por quem recebe acima do novo teto. Para garantir benefícios maiores, esses trabalhadores fariam aportes a um fundo, desafogando o INSS. A proposta também seria aplicada para os servidores públicos.
A proposta impõe um custo de transição: só no INSS, a perda de arrecadação chegaria a R$ 13 bilhões com a parcela que deixaria de ser recolhida no regime atual e que passaria para o regime de capitalização. Essa diferença seria paga com a emissão de títulos do Tesouro. Há ainda um montante que teria de ser devolvido a quem já fez contribuições pelo modelo antigo e teria perdas com a transição na hora de receber o benefício.
— Como elas não vão se aposentar todas ao mesmo tempo, isso é diluído ao longo do tempo — explica Marconi.
Uma transição para o sistema de capitalização também é prevista no programa de governo da Marina Silva. A candidata reforçou a defesa da ideia em entrevista ao Jornal Nacional semana passada, e disse ser favorável a uma transição para este regime desde 2010.O economista Marco Bonomo, um dos que respondem pela campanha de Marina, no entanto, diz que a ideia é para ser feita em longo prazo. Para ele, é importante equilibrar primeiro o sistema atual.
Luis Eduardo Afonso, professor da FEA/USP, considera o debate sobre capitalização um destaque desta campanha, mas lembra que a transição é difícil:
— Essa é uma grande novidade em relação a 2014. É importante que esse debate esteja colocado, mas a capitalização não é uma bala de prata. Para um país que tem um problema fiscal, não consigo ver viabilidade em implantar um regime de capitalização no curto prazo.
PT e PSDB criticam o regime de capitalização, seja ele tratado de forma isolada ou no modelo misto obrigatório. Guilherme Mello, assessor econômico do PT, lembra que o atual sistema é baseado na solidariedade geracional e social. Por isso, a segmentação entre os dois regimes abala a sustentabilidade do modelo de repartição, pois as contribuições de novos trabalhadores deixariam de alimentar a base da pirâmide.
— Há o risco de termos um monte de velhos pobres, que serão excluídos do sistema — afirma Mello.
Ele advoga que sejam feitos ajustes no atual modelo, com a convergência dos regimes do funcionalismo e dos empregados do setor privado, especialmente nos estados e municípios. Os servidores que ingressaram no serviço público após 2013 já têm aposentadoria limitada pelo teto do INSS e podem aderir a fundos de previdência complementares — a União e alguns estados, como Rio e São Paulo, já têm fundos próprios, mas há governos estaduais que ainda não estruturaram seus fundos.
Para os trabalhadores da iniciativa privada, Mello afirma que a complementação pode ser buscada no mercado, com produtos oferecidos por bancos, por exemplo. Não há previsão de idade mínima na proposta petista. Na visão do partido, isso já estaria de alguma forma contemplado na regra 85/95, aprovada no governo Dilma, pela qual a soma da idade e do tempo de contribuição dos trabalhadores do INSS não pode ser inferior a 85 (mulheres) e 95 (homens). Essa soma cresce gradualmente até atingir 90/100, em 2027.
Já Pérsio Arida, assessor econômico de Geraldo Alckmin, defende a exigência de idade mínima, mas não dá detalhes sobre o formato da reforma que seu candidato apresentará, caso seja eleito. Ele descarta, no entanto, a adoção do regime de capitalização, por causa dos custos associados a essa transição.
— A prioridade é fazer uma reforma da Previdência que dê equilíbrio atuarial à Previdência e combater o déficit público — resume o economista.
Fonte: “O Globo”