As ruas de Paris lembram as ruas de São Paulo e do Rio de Janeiro alguns anos atrás, quando foram tomadas por vândalos mascarados, que se aproveitaram dos movimentos populares para se esconderem enquanto quebravam o que tinha e o que não tinha, com a impunidade dos amigos de Deus, enquanto a polícia assistia a distância, permitindo boa parte da baderna.
As ruas de Paris lembram as ruas brasileiras, mas não são iguais. A primeira diferença entre os dois quadros é que, em Paris, a polícia já prendeu mais de 700 pessoas, enquanto no Brasil as forças de segurança ficavam boa parte do tempo assistindo de longe, sem interferir para conter a destruição do patrimônio público e privado atacado pelos vândalos.
A segunda é que, além de prender, a polícia francesa age com rigor e, curiosamente, ninguém reclama ou se levanta contra a ação dos policiais, independentemente de lançarem bombas de efeito moral, jatos de água ou usarem seus cassetetes e escudos no enfrentamento com os manifestantes.
Mas, independentemente das diferenças, as semelhanças levam a algumas conclusões interessantes, entre elas a de que a barbárie não é exclusividade dos países em desenvolvimento. Os países desenvolvidos também vivem o problema, aliás, como sempre o viveram, com crises de violência explodindo em praticamente todos eles, pelas mais variadas razões.
O que poderia causar espanto são as notícias sobre a destruição de símbolos nacionais e pichações de obras de arte e monumentos públicos que fazem parte da rota cultural da capital francesa.
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Mas, será que, de verdade, há motivo para espanto? Em 1968, a França foi virada no avesso, com barricadas feitas com paralelepípedos arrancados das ruas, pichações dos monumentos nacionais e das paredes de edifícios históricos, vitrines quebradas, carros virados e incendiados, lojas saqueadas, etc.
Nada de novo debaixo do sol, pelo menos desde a Revolução Francesa, que, no final do século 18, derrubou a monarquia. Aliás, as grandes avenidas que cortam Paris foram abertas no século 19 para que as tropas pudessem marchar pela cidade e esmagar os movimentos populares, que até então se entrincheiravam nos becos e ruas estreitas, de onde podiam resistir durante dias aos ataques da polícia e do exército.
A razão para o começo do quebra-quebra foi o aumento do preço dos combustíveis, enquanto em São Paulo o gatilho foi o aumento da passagem de ônibus. Nada assustador, nem suficientemente importante para desencadear ondas de violência como as vistas em São Paulo ou as que são mostradas em Paris.
O problema é que estes movimentos costumam deixar prejuízos de monta ao longo das ruas onde acontecem. Lojas, edifícios, carros, ônibus e o mais que se imaginar são destruídos sem qualquer dor de consciência por parte dos manifestantes. Ao contrário, invariavelmente os estragos são causados deliberadamente.
O Brasil não é famoso por contratar seguros. Então a maioria dos danos sofridos durante as ações por aqui não foram repassados para as seguradoras. Quer dizer, as vítimas tiveram que arcar com os custos de reparo ou reposição.
Muito provavelmente, a mesma coisa vai acontecer na França. A maioria dos estabelecimentos atacados e saqueados não deve ter seguro, da mesma forma que a maioria dos veículos atingidos ou incendiados não tem cobertura para tumultos.
Numa comparação fria, seja pela razão que for, no final da história, a maior parte dos prejuízos franceses, da mesma forma que os prejuízos brasileiros, vai cair na conta de quem não tinha nada com o pato, apenas estava no local errado, na hora errada.
Entre secos e molhados, a barbárie vai prevalecer, seus autores sairão razoavelmente impunes e, ainda que a violência seja contida, o germe permanecerá assando em fogo baixo, pronto para acordar a qualquer momento, numa faísca capaz de explodir pelas ruas de qualquer grande cidade do mundo, que, da mesma forma que as capitais brasileiras e Paris, não estará preparada para evitar o quebra-quebra, nem protegidas por apólices de seguros.
Fonte: “Estadão”, 10/12/2018