Crises são oportunidades. Todavia, essas oportunidades aparecem também para os proponentes de medidas ruins, fazendo com que eles consigam emplacá-las devido ao choque criado pela crise em questão. No caso da crise criada pela pandemia da Covid-19, uma das piores ideias apresentadas até o momento é a de quebrar as patentes das vacinas contra o novo coronavírus.
A ideia não é nova, há quase um ano escrevi para esta Exame um artigo sobre uma proposta nesse sentido. Porém, só agora ela está ganhando ímpeto na medida em que um número crescente de líderes populistas demonstram apoio à ela, como o presidente dos EUA, Joe Biden, e o ex-presidente Lula.
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O setor de pesquisas médicas investe anualmente bilhões no desenvolvimento de novos produtos, dos quais apenas 12% sobrevivem à fase clínica. Assim, a pesquisa científica é extremamente custosa e não tem retorno garantido. As patentes ajudam a equilibrar esse jogo fazendo com que o setor tenha algum retorno pela pesquisa bem sucedida, na medida em que protege esses produtos de cópias não autorizadas.
O argumento em defesa da quebra de patentes é simples, mas enganoso: de fato, a existência de patentes faz com que outras empresas não possam produzir ou precisem pagar uma taxa para produzir um produto. No entanto, muitos produtos poderiam nunca vir a existir sem a proteção das patentes, uma vez que não existiriam proteções e qualquer um poderia pegar carona em investimentos alheios bem sucedidos, gerando um incentivo perverso para que ninguém queira investir em pesquisa e desenvolvimento, uma que vez que seria possível obter lucros com a produção e a comercialização de vacinas ou medicamentos desenvolvidos por terceiros sem autorização.
Quebrar patentes é má ideia e essa é a opinião majoritária dos especialistas. Uma pesquisa recente realizada pela Universidade de Chicago com economistas das principais universidades norte-americanas – incluindo vencedores do Nobel – revelou que 79% deles concordam que países desenvolvidos deveriam comprar vacinas e distribuí-las aos países em desenvolvimento em vez de apoiar a quebra de patentes. Outros 79% concordam que comprar vacinas e distribuí-las aos países em desenvolvimento teria um custo menor para os países ricos do que deixar aqueles países sem vacina.
Oliver Hart, da Universidade de Harvard, diz que “quebrar patentes abriria um péssimo precedente” e ele está certo. Acabar com as patentes teria consequências de longo-prazo. Se um novo vírus surgir no futuro, as empresas poderiam hesitar em desenvolver as vacinas, uma vez que estariam ameaçadas por uma nova quebra de patentes.
Pinelopi Goldberg, da Universidade de Yale, diz que “com 10 vacinas disponíveis, o problema não são as patentes, mas a capacidade de produção e distribuição” e Kenneth Judd, da Universidade de Stanford, diz que “essas empresas têm experiência na produção de vacinas, outras empresas não têm”. A demanda pelas vacinas é global e a maioria delas necessita de mais de uma dose por pessoa, gerando uma necessidade de uma produção nunca antes vista no mercado de vacinas. Apesar da produção estar se acelerando, falta capacidade produtiva, faltam insumos e falta capacidade de distribuição. Permitir a quebra de patentes por empresas inexperientes em detrimento das experientes não trará benefícios, mas apenas prejuízos de longo prazo, sinalizando que patentes também não seriam protegidas em caso de uma nova pandemia.
O Brasil figura na 62ª posição global e 7ª regional no Índice Internacional de Direitos de Propriedade de 2020, entre 131 países avaliados. A instabilidade política e jurídica são relevantes e o país não é conhecido pelos altos índices de proteção aos direitos de propriedade física ou intelectual. Quebrar patentes enviaria um péssimo sinal para o mundo, aumentando o risco de se investir no país.
A humanidade foi capaz de produzir diversas vacinas contra a Covid-19 em apenas alguns meses e outras inúmeras vacinas já estão em desenvolvimento. Uma das grandes motivações para este investimento é a possibilidade de se obter algum retorno por eles. Incentivos importam. Se a humanidade aceitar o populismo hoje, pode pagar um preço muito mais caro no futuro.
Foto: Thomas Peter/Reuters