Os tempos estranhos que vivemos, no dizer do ministro do Supremo Marco Aurelio Mello, estão transformando o parlamentarismo branco em arma do Congresso contra o presidente da República, que tem uma Compactor cheia de tinta na mão, mas não pode tanto quanto já pôde, mesmo que a legislação não tenha mudado.
No governo anterior, o parlamentarismo branco serviu de apoio ao então presidente Michel Temer, que teve que abrir mão de ser um presidente propositivo para não perder o apoio do Congresso, que o tirou do Palácio Jaburu e o colocou no do Planalto.
Nos tempos de Bolsonaro, o Congresso tomou as rédeas nas mãos nos primeiros momentos, quando o presidente recém-eleito resolveu demonizar a política e emparedar os parlamentares.
O presidente do Senado, David Alcolumbre, no seminário “E agora, Brasil?”, promovido pela Globo e pelo Valor Econômico, não teve pejo em afirmar, alto e bom som, que vivemos um parlamentarismo por decisão do Parlamento, que assumiu para si a tarefa de aprovar as reformas estruturais, assumindo um protagonismo que transformou o ministro da Economia Paulo Guedes em coadjuvante do processo, reconhecidamente liderado pelo presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia.
Agora, a bola está no Senado, para aprovação final da reforma da Previdência. Na reforma tributária em discussão, Câmara e Senado disputam a paternidade de projetos, enquanto o governo tem o seu próprio, que será relegado a segundo plano se Guedes não se acertar com Maia e Alcolumbre.
Recentemente, em reunião com o ministro chefe da Secretaria de Governo Luiz Eduardo Ramos, o deputado Ricardo Barros, do PP, fez uma advertência inusitada: “ O presidente não pode demitir deputado, mas deputado pode demitir o presidente”, disse sem rodeios.
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O ministro Luiz Eduardo Ramos, além de ter sido até recentemente chefe do Comando Militar do Sudeste do Exército, é amigo do presidente Bolsonaro há quarenta anos, e foi encarregado de assumir a relação com os parlamentares. Ele tem um histórico de bom relacionamento com políticos em São Paulo, muito além dos potenciais políticos da base. Parlamentares do PT e do Psol eram seus interlocutores assíduos.
Foi escolhido mais por essa característica do que por ser General de Exército, mas certamente não esperava receptividade tão sincera, para dizer o mínimo. A relação do Congresso com o Executivo entrou em nova fase com o ministro Ramos, pois ele está atuando para tentar formar uma base mais firme de apoio no Congresso, fazendo um levantamento de como votou cada deputado e senador, quais os cargos que cada um já tem indicados seus na burocracia do Estado, quais os que querem ainda nomeações.
É uma sinalização de que o Palácio do Planalto quer entrar no jogo político mais tradicional. Esse levantamento, em governos anteriores, teve em Eliseu Padilha seu artífice. Enquanto não se define quais são os limites desse relacionamento, os parlamentares já colocam suas cartas na mesa.
A aprovação do filho do presidente, deputado Eduardo Bolsonaro, para embaixador em Washington já está sendo objeto de acordos no Senado. Ao mesmo tempo, o poder de veto do presidente da República está sendo colocado em xeque por rebeliões localizadas.
A operação de busca e apreensão no gabinete do senador Fernando Bezerra, líder do Governo, desencadeou uma reação corporativa que pode gerar boicotes de diversos tamanhos, desde o veto ao filho do presidente na sabatina do Senado, o que seria uma declaração de guerra, até a derrubada de vetos do presidente a trechos da Lei de Abuso de Autoridade, o que em si seria um abuso da autoridade parlamentar.
Está em jogo também a possibilidade de vetos, já em debate na assessoria do Palácio do Planalto, à nova lei eleitoral. Oficialmente, ambos os lados assumem teorias republicanas. Disse do ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência Jorge Oliveira na entrevista à Central Globonews: o Congresso tem todo o direito de derrubar os vetos do Presidente da República. É do jogo democrático, cada um faz sua função. Disse o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, que ontem se reuniu pela manhã com o presidente Bolsonaro: O presidente tem todo o direito de vetar. Nós aprovamos o que achamos melhor para os partidos e as eleições.
Na prática, será preciso encontrar um meio-termo para que Congresso e Executivo tenham uma relação harmoniosa, sem perderem a legitimidade. Bolsonaro chegou à presidência achando que poderia ditar o ritmo da relação política. O Congresso está gostando do papel de protagonista.
Fonte: “O Globo”, 22/9/2019