O terremoto pessoal que se abateu sobre a carreira política do diretor-gerente do FMI, Dominique Strauss-Kahn, abriu espaço para se rediscutir a tradição de dar a um europeu, em geral francês, o comando da instituição encarregada de velar pela saúde da economia mundial.
Por ser um fundo multilateral de países, o FMI poderia, em princípio, aplicar regra distinta daquela praticada em fundos de investimento, onde os quotistas decidem conforme o tamanho do seu aporte.
Em se tratando de relações entre países, as ponderações mudam um pouco, refletindo, de um lado, a tradição, o poder econômico das moedas que dão lastro ao fundo e as composições de interesses que terminam por formar votos por blocos de países. O Brasil, por sinal, representa vários países no Fundo.
Com a evidente complicação do affaire DSK, como é conhecido, seu retorno ao Fundo é uma possibilidade remota. Procura-se novo gerente. Não seria hora de se rever o critério informal de reservar o cargo para um europeu? – perguntam os BRICs.
Angela Merkel, chanceler alemã, não esperou um minuto para se pronunciar, avisando que tem uma lista de nomes para oferecer. Merkel está certa em se posicionar, pois sabe de quem é a conta do refinanciamento das dívidas soberanas e bancárias dos países-membros de UE.
Anteontem se debatia a elevação do Fundo Europeu de Estabilização Financeira, uma espécie de tábua de salvação dos endividados, dos atuais € 440 bilhões para € 726 bilhões. O FMI, logicamente, entra nessa “vaquinha” multibilionária e, portanto, é preciso garantir que o Fundo não faça perguntas demais ao aprovar sua participação no esforço de refinanciamento.
Mas esta é, justamente, a questão. A poupança mundial se deslocou das economias avançadas para as emergentes. A China é, destacadamente, o maior credor mundial, inclusive dos Estados Unidos. As autoridades chinesas têm todo direito de questionar as regras de acesso a fundos multilaterais baseadas na mera tradição.
O suprimento monetário mundial, portanto, a estabilidade econômica do mundo inteiro, está nas mãos de países muito endividados, nomeadamente, os EUA, o bloco europeu e o Japão. Questiona-se o grau de independência desses países em continuar a avaliar com precisão os riscos de se estenderem tantos recursos adicionais de crédito a países fortemente endividados. Classificar riscos de crédito não é mais tarefa exclusiva de países “ricos”, mas de todos, em conjunto paritário.
Tal como é hoje, seria como estabelecer uma regra de convidar representantes dos devedores para integrar os comitês de crédito dos bancos particulares. Soa maluquice, quando transposto ao setor privado, mas é algo muito parecido com isso o que acontece neste momento no mais alto nível multilateral.
Não espanta, por isso, que os mercados comecem a enxergar imensas vulnerabilidades no remédio de injeção maciça de liquidez, aplicado desde 2008, pelas autoridades dos endividados.
Por critério de segurança, não há dúvida que um nome mais independente para gerir o Fundo seria o de um representante de credores, não de devedores. E o Brasil tem uma excelente opção, inclusive testada no palco mundial e admirada pela aprovação unânime à frente do Banco Central do Brasil. A opção é Henrique Meirelles. Perderíamos o xerife das Olimpíadas, mas o mundo ganharia segurança.
Fonte: Brasil Econômico, 20/05/2011
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