No início deste ano, a companhia farmacêutica Moderna, com sede em Cambridge, nos EUA, tinha um valor de mercado em torno de US$ 7 bilhões. No início desta semana, bateu US$ 30 bilhões depois de ter informado que obtivera resultados positivos em testes com humanos para a vacina contra o novo coronavírus. Dois dias depois, esse valor caiu uns US$ 2 bilhões, quando cientistas e autoridades sanitárias levantaram algumas questões.
A principal: o teste havia sido limitado a poucas pessoas e ainda na fase 1. Mas a companhia já tinha autorização do governo americano para iniciar a fase 2, com milhares de testes. Estará pronta, se tudo der certo, depois de uma fase 3, lá pelo final deste ano ou início de 2021. Esperanças. Mas, de todo modo, a companhia já adiantou planos de levantar no mercado um aporte de US$ 1,2 bilhão.
A empresa recebeu ajuda do governo americano – algo como 500 milhões de dólares – mas é privada, com ações diluídas em bolsa.
Diversas outras companhias privadas estão trabalhando na vacina antiCovid-19. Há também laboratórios ligados a governos ou a universidades, mas é grande a possibilidade de que empresas privadas cheguem antes aos melhores resultados. E diferentes: as empresas estão desenvolvendo tecnologias diversas — por exemplo, ou enfraquecendo o vírus ou usando partes dele.
Na verdade, a melhor expectativa entre cientistas e autoridades sanitárias é a seguinte: que várias farmacêuticas, cada uma no seu caminho, cheguem a, digamos, quatro ou cinco tipos de vacinas.
Uma primeira razão é econômica. Encontrada a fórmula, será preciso produzir algo como 5 bilhões de doses ou o dobro disso, se forem necessárias duas doses para a imunização completa. Já há empresas reservando instalações para isso, mas o esforço será monumental.
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E mais: as companhias privadas terão a patente — o segredo da fórmula — e obviamente terão que ser remuneradas por isso. Dirão: mas isso é uma insensibilidade, uma crueldade; com centenas de milhares de pessoas morrendo, vai-se proteger o lucro dos acionistas?
Imaginemos que não. As patentes são tornadas públicas e as vacinas já produzidas, confiscadas.
Daqui a alguns anos, aparece outra mutação desse coronavírus — qual companhia vai torrar dinheiro na busca de uma vacina ou de um remédio?
Por outro lado, deixada a coisa por conta do mercado, sem nenhuma intervenção, sabemos o que vai acontecer: os mais ricos serão os primeiros a ter acesso às primeiras vacinas, a preços de rico. Depois, o conhecimento vai se espalhando, surgem outras fórmulas, depois de algum tempo, os genéricos e o medicamento vai alcançando as classes médias. Quanto tempo levaria até alcançar os pobres?
Por isso, cientistas, autoridades sanitárias, empresários, governos e instituições internacionais estão procurando soluções intermediárias. Na OMS, surgiram propostas para que as patentes descobertas sejam de propriedade social, mundial.
É generoso, mas não resolve o problema de remunerar as pesquisas — as atuais e as que serão necessárias no futuro. Bill Gates falou em montar um consórcio de bilionários e grandes empresas que comprariam as vacinas e as distribuiriam nas regiões mais pobres.
Por outro lado, governos também precisarão comprar, mas com preços relativos, como já se faz com medicamentos de controle do HIV. Países mais ricos pagam mais, outros pagam menos.
E os ricos, as pessoas ricas, onde quer que se encontrem, vão pagar do seu bolso ou de seus caros planos de saúde. Aliás, vai ser outra briga: entre os planos e as seguradoras versus os fabricantes — também como já ocorre hoje.
O importante é ter regras e negociações razoáveis, de tal modo a combinar os interesses — melhor, as necessidades das pessoas — e os estímulos para que as empresas formem e contratem os quadros capazes de descobrir essas maravilhas da tecnologia.
Será preciso um amplo esforço global, num ambiente de colaboração entre empresas, governos e instituições internacionais. Acho que, por necessidade, voltaremos a prezar a globalização e a eficiência dos mercados.
Fonte: “O Globo”, 21/5/2020