Tirante o ministro Levy, quem mais no governo e na sua base quer mesmo fazer o ajuste fiscal? Ninguém — é a resposta que vai se formando.
Comece pelos cortes propostos no pacote de ajuste. Dividem-se em dois grupos: ou são de difícil aplicação, como os que tiram salários e benefícios dos funcionários público, ou são mera simulação.
Dá a impressão, mas uma forte impressão, de que a coisa se passou assim: Dilma e o ministro Nelson Barbosa, gestores daquele primeiro desastroso orçamento com déficit, que derrubou o grau de investimento, resolveram que precisavam atender, por ora, a bronca de Wall Street. Montaram de última hora aquele pacote que antes era impossível fazer.
Reparem: quem manda no corte de gastos é o ministro do Planejamento, Barbosa. Levy, da Fazenda, fica com o aumento da receita.
A medida que, em tese, economiza mais dinheiro é o adiamento do reajuste salarial do funcionalismo de janeiro para agosto e a eliminação de outros benefícios. Mas os sindicatos de servidores, muitos deles em campanha salarial, estão na base política da presidente Dilma, mobilizados contra o impeachment. Aliás, estão nisso, na defesa do mandato, com os movimentos sociais, que não perdem oportunidade de condenar o ajuste fiscal.
[su_quote]O aumento de receitas tem mínima chance de passar no Congresso e chance nenhuma no tamanho em que está[/su_quote]
Ou seja, ali onde é possível fazer uma boa economia, a presidente está contrariando setores decisivos de sua sustentação política.
Outras medidas cortam vento. O governo ainda não decidiu quais ministérios vai cortar, nem disse como seria esse enxugamento, nem quanto pessoal seria dispensado. Mas prevê uma economia de R$ 2 bilhões no ano que vem em despesas administrativas e de custeio (viagens, táxis, cafezinho etc…). Parece crível?
Também diz o governo que vai economizar com a suspensão de concursos. Não é um corte de despesa corrente, mas uma promessa de que não vai gastar o que pretendia gastar. Vento, que irrita funcionários e concurseiros.
Mais: o pacote tira R$ 5 bilhões do Minha Casa Minha Vida, dinheiro que seria aplicado pelo Tesouro, mas recolhe a mesma quantia no FGTS e passa para o Minha Casa. Em manobra idêntica, o plano retira R$ 7,6 bilhões do PAC e da Saúde, e aloca exatamente o mesmo valor com base nas emendas parlamentares.
Não é preciso pensar muito para concluir que tudo isso faz sentido com o discurso original da presidente Dilma — o de que não mexeria nos seus programas prediletos. O pacote seria, assim, uma manobra dispersiva, algo para impedir que outra agência de classificação de risco reduza a nota brasileira já neste ano. Ganha tempo, enquanto a presidente recupera prestígio e salva o mandato. É o que devem ter pensado os estrategistas, incluindo Dilma.
Dirão: mas é simplista. Pode ser. Mas eles não acharam que não teria nada de mais apresentar um orçamento com déficit?
No outro lado do pacote, o das receitas, a parte do ministro Levy, tem dinheiro grande. A nova CPMF sozinha daria R$ 32 bilhões, metade do que o governo precisa arranjar para alcançar um superávit para 2016. Especialistas também estão descobrindo que algumas “mexidinhas” — como na cobrança de impostos sobre juros de capital próprio e na garfada no dinheiro do Sistema S — podem dar mais recursos que o estimado oficialmente.
A CPMF, que o ministro Levy sempre defendeu, curiosamente atende à base esquerda da presidente Dilma. Como esse pessoal acha que tudo se resolve com aumento de gasto, a CPMF traz o dinheiro necessário para, por exemplo, esquecer ou adiar essa conversa sobre reforma da Previdência.
Mas há uma ampla e variada maioria contra a CPMF no Congresso. Assim como nos meios empresariais, que andaram apoiando o mandato da presidente Dilma, há uma clara irritação com a nova onda de impostos.
Então ficamos assim: os cortes anunciados são, no mínimo, duvidosos, e certamente de difícil implementação.
O aumento de receitas tem mínima chance de passar no Congresso e chance nenhuma no tamanho em que está. Mesmo quem é a favor do ajuste fiscal — nos meios políticos, econômicos e sociais — esperava que fosse uma “ponte”, como diz o ministro Levy, para ultrapassar a turbulência e iniciar um programa de reforma estrutural do setor público.
Mas o que se vê do outro lado da ponte?
Nada, nem uma reforminha da Previdência.
O que nos leva ao desfecho: o ajuste fiscal não sai; outras agências tiram o grau de investimento; Levy cai fora, claro, pois ele estava ali para fazer o ajuste; Nelson Barbosa assume a Fazenda e, com Dilma, volta à matriz de aumento de gastos e estímulos ao consumo.
Vai aumentar a dívida e a inflação, mas e daí? O grau de investimento já estará perdido — e aliás é uma coisa de neoliberais. Nem precisa procurar muito para encontrar economistas para endossar isso.
A questão é saber quanto Dilma se aguenta com mais inflação, mais recessão e mais desemprego. Sem contar a Lava-Jato.
Fonte: O Globo, 17/9/2015
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