Hayek disse, com propriedade, que o conhecimento é disperso. Talvez a melhor idéia que ele nos tenha legado seja a de que a liberdade individual é pré-condição para o uso socialmente ótimo do conhecimento. O mercado, num mundo de liberdade, permite a troca dinâmica de idéias através de erros e acertos de ofertantes e demandantes até que as melhores alocações do conhecimento surjam como resultado destas ações descentralizadas. Ao contrário do que nos fazem crer os inimigos da liberdade, a diversidade é compatível, sim, com o mercado.
Qualquer um que já tenha conversado com diferentes empresários sabe que a verdadeira riqueza do mercado não se parece com uma visão rósea de empresários homogêneos, idênticos, que lutam entre si com o mesmo nível de conhecimento sobre o uso de fatores de produção para obterem lucro. Trata-se, isto sim, de uma quase infinidade de empresários, uns mais espertos do que outros, lutando para sobreviver num mundo de não menos diversidade de interesses representados pelos consumidores. Isto sim, creia-me, é estressante!
Friso novamente este ponto: o conhecimento é disperso e saber usá-lo bem para fins de lucro é sinônimo de não errar muito. Um empresário interessado na obtenção de lucros no setor, digamos, de metalurgia possui a energia e a disposição típica que caracteriza sua designação (”empresário”, “empreendedor”). Mas, como todos os indivíduos, o empresário é ignorante em muitos aspectos da metalurgia. O que ele faz? Contrata alguém, preferencialmente um bom técnico, que lhe ensine o básico do funcionamento da metalurgia. Um bom consultor poderá lhe fornecer conhecimentos sobre o mercado mundial para o setor metalúrgico. Um bom engenheiro lhe dará opções diversas de combinações tecnológicas que poderão ser utilizadas em sua busca pelo lucro (inovar aqui, não inovar ali, etc.). Graças ao empresário – este sujeito que insiste em ganhar dinheiro – estes três profissionais terão emprego. “Saber”, leitor, é “saber o quão ignorante se é”…
Observe, leitor, a importância do conhecimento. Vocações naturais existem e a chance de se aproveitar delas para ganhar algum dinheiro está presente no exemplo acima. O engenheiro, o consultor e o técnico, cada qual em busca da melhoria de suas respectivas vidas, representam o aperfeiçoamento do conhecimento especializado. O empresário, com seu ímpeto de lucrar gerou três oportunidades. Num mundo feudal/socialista, isto só seria possível mediante a escravidão (senhor feudal) ou sob o monopólio do Estado sobre a mão-de-obra (socialismo/comunismo). Ambos, como se sabe regimes caracterizados por níveis não muito elevados de liberdade individual…
O lucro é o motor do desenvolvimento, mas também pode ser um terrível pesadelo caso o Estado não aja para promover a “lei da responsabilidade”: a cada qual os benefícios e custos derivados de suas ações. Ao aceitar os pedidos de quotas, subsídios, favores ou, em resumo, privilégios, o Estado desvirtua toda a lógica econômica, transferindo o ônus de meus erros para outros e vice-versa. Neste caso, “quem sabe agradar mais a um político, ganha, quem não sabe, perde”. Eis o papel do Estado, que todo liberal defende e que pode ser exemplificado neste trecho, referente às (quase sempre) vaidosas “elites culturais”:
Embora o liberal esteja plenamente cônscio do importante papel que as elites culturais e intelectuais representaram no avanço da civilização, também crê que essas elites devem dar provas da capacidade de manter sua posição obedecendo às mesmas normas aplicadas a todos os outros. (grifos meus) [Hayek, F.A. Von. Por que não sou um conservador In: Hayek, F.A. Von, Os Fundamentos da Liberdade, Editora Visão, 1983, p.472].
Em outras palavras: “quem usa sua liberdade para diminuir a dos outros, assim o faz. Quem não sabe, ensina que isto é péssimo para todos, no longo prazo”.
Há uma piada do personagem Dilbert, de Scott Adams, que ilustra bem o aspecto informacional que Hayek destacou. Um gerente de recursos humanos, em uma palestra para vários empregados, diz que o importante é sempre contratar alguém mais inteligente. Subitamente, do fundo da sala, alguém levanta o braço e pergunta: “então quer dizer que o sujeito mais idiota da empresa é o seu presidente”? A pergunta é pertinente e engraçada, claro. Mas note a sutileza que talvez seja não-intencional na piada de Adams: a chance do sujeito levantar a mão para perguntar e não para mendigar só existe porque o mesmo ignorante naquela área do conhecimento, na busca do lucro, gerou ao irônico anônimo a chance de estar ali, na reunião. É como digo: quem sabe, ensina. Quem não sabe, faz. E não há nada de errado com isto. Errado está aquele que não aproveitar a chance gerada pelo mercado para aprender sempre um pouco mais.
(Este texto é uma versão ligeiramente modificada de outro texto meu, de 2005.)
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